CARTA A UM JOVEM QUE COMEÇA A AMAR, DE UM HOMEM MADURO QUE JÁ TEM AMADO
Caro jovem amigo,
preciso-lhe escrever estas linhas que, sem almejar a grandeza de um Rilke ou a
perspicácia de um Franklin, tratam de assunto pertinente a todos os homens e
que não posso deixar de te advertir, mesmo sabendo que só serei compreendido
depois de te tornares irremediavelmente ferido pelo peso dos anos e pela só
aparente leveza dos beijos femininos. Eu que estou, se não ainda no ocaso da
vida, digamos, já no horário do lanche da tarde, fortuitamente encontrei-te a
pouco pela rua, pisando em ovos, sorrindo de forma constrangida para mim, como
se algo tivesse a censurar-te, tentando explicar-te para, desculpando-me eu
aqui pela impessoalidade do pronome pessoal, para ela a respeito de
acontecimentos ordinários sobre os quais, sabemos, dentre as mulheres gotas de
um copo d’água transformam-se em tempestades.
Não quero ser pessimista, mas,
acredita, será assim para toda a tua vida, pois, repentinamente abrindo-se a
cortina e acendendo-se a ribalta, somos jogados para contracenar neste palco
sem ninguém nos ter repassado o texto ou ensinado as marcações.
Escutemos os que vieram antes de nós.
Orson Welles falava que se não fossem as mulheres, estaríamos ainda sentados em
uma caverna, comendo carne crua. Tudo o que fazemos é para impressionar as
nossas namoradas.
Sabendo disso, estas, merecidamente
ufanas, nos repetem o lugarcomum de que só seremos grandes se tivermos uma
delas por detrás, mas recorda-te da advertência de Ortega y Gasset, de que elas
sempre estão tentando nos manter em um patamar medíocre e impedir de nos
tornarmos semideuses. E o pior de tudo é que ambas as afirmações, ainda que
contraditórias, são verdades. Dessa maneira, quando estiveres quase descobrindo
a cura do câncer ou o porquê das galáxias se afastarem em ritmo tão acelerado,
e fores obrigado por uma delas a sair para buscar um desentupidor de pia ou um
frasco de baunilha no supermercado, lembra-te que as grandes questões nem
sequer teriam sido cogitadas se tu estivesses sozinho, a tua grandeza, que
almejo ocorra, não o será apesar de, mas também por causa dela. Jamais na
história uma mulher compôs uma sinfonia, mas se não fossem as mulheres, nunca
teria existido um Mozart.
Como conheço tua inteligência, sei
que de jovem que acredita no mundo de ideais, proposto por Platão, e na
bondade, proposta por Cristo e Rousseau, o tempo passará e tornar-te-ás ciente
da crueldade dos lobos e da praticidade de jaulas, chicotes e focinheiras para
que não nos devoremos uns aos outros. No entanto, quando se trata do amor,
evadem-se todas as formas ideológicas de pensar, as que adoçam a juventude e as
que dão fel à maturidade, e restam apenas dois tipos de homens: os cínicos.
Mas não se engane, pois o homógrafo
divide os sábios dos imbecis. O primeiro tipo é daquele cínico assim definido
pela língua portuguesa, do que mente, do que ilude, do que finge aquilo que não
é, achando que está levando vantagem e enganando as mulheres. O segundo é o
cínico assim exposto pela filosofia grega, do tipo que é honesto como um cão e
profere verdades mesmo sabendo que talvez venha a ser prejudicado.
Tuas pernas irão tremer e teus
lábios irão vibrar em indecisões apavoradas, mas quando ouvires perguntas
cruciais para a alma feminina como “Com quem estavas ontem à noite?”, ou, pior
ainda, “Estou gorda?”, deverás optar em qual dos dois cínicos queres te tornar.
Se escolheres ser dos cínicos
mentirosos, sinto informar, mas serás corno. Serás pobre, pois perderás todos
os bens que conquistaste. Seguir-te-á um séquito de golpistas, amparadas por um
Poder Judiciário nem sempre equânime. Talvez também doenças incômodas e
inconfessáveis. Talvez, trarás ao mundo inocentes não desejados ou planejados. Podes
não acreditar, mas mulheres admitem ofensas, admitem repreensões. Admitem até
que tu durmas com outra, aliás, as estatísticas colhidas na intimidade informam
que a maioria gostaria de, ela própria, deitar-se com outra mulher, não se
iluda com as imposições da sociedade.
Elas só não admitem agressões gratuitas, mentiras e abandono.
Se mentires, não estarás levando
vantagem alguma, apenas partindo do pressuposto que a pessoa que tu amas veste
touca de pacóvio. Escuta o amigo que tem avançado em anos, isso ela não o é,
senão tu não a terias escolhido para compartilhar a vida. Portanto, escolhas a
verdade canina, tornar-te o supersincero ao qual todas as mulheres rangem os
dentes, mas apreciam.
Se assim concordamos que esses
seres maravilhosos não nem iguais a nós e nem são as estúpidas que os homens
tolos acreditam que elas são, e como eu sei que, de todas essas considerações
que julgo sensatas que aqui te tentei passar a única que te acordou até agora
na leitura e mexeu com tua imaginação, foi a das mulheres dormindo com as
outras, pois por mais que nos esforcemos, nenhum conselho ponderado pode
superar as fantasias mais primitivas, devo esclarecer esse assunto mais
profundamente, pois abandonar-se a uma só mulher, no desprezo de todas as
outras maravilhosas que por aí estão, disponíveis e insinuantes, depende de
sacrifício que nem todos os homens estão dispostos a cumprir, muito menos
quando estão nas idades verdes.
Para compreendermos essa concessão,
essa desigualdade antropológica, esquece teus delírios igualitários dos tenros
anos e encara o fato de que na maior parte das sociedades as mulheres aceitam
que os homens ricos tenham outras. De passagem, desejo-te também riqueza.
Se já concordamos que as mulheres
não são umas imbecis, exploradas brutalmente por marmanjos agressivos, devemos
aceitar que existe uma concordância feminina. Nas sociedades poligâmicas,
apenas 2 a
5% das famílias possuem mais de uma esposa, o que não é muito diferente da
nossa, formalmente monogâmica, mas materialmente hipócrita, em que uma pequena
parcela dos homens mantém uma amante.
Essa concessão tem diversos motivos
que nos trazem compreensões sobre a alma feminina. Temos o motivo bioquímico, que determina que
as mulheres, quando são tocadas, liberam o hormônio chamado oxitocina,
responsável pela afetividade e vontade de ser protegida. Homens liberam
vasopresina, que é o hormônio responsável pela territorialidade. Assim, quando
dormires com tua namorada, tenhas consciência que ela quer que tu fiques por
perto e tu não queres que os outros homens durmam com ela. As razões de ficarem
juntos para sempre são diferentes, apesar do ato do matrimônio ser o mesmo. Há
também o motivo sexual: como disse, sabe-se que 60% das mulheres topam dormir
com outras mulheres enquanto que apenas 20% dos homens assim se interessam por
homens, o que as leva a serem mais condescendentes com tal atitude,
principalmente se também participarem. Tem-se ainda o motivo econômico. O ser
humano aprendeu a caminhar sobre duas pernas para que o homem trouxesse
alimentos para a fêmea que amamenta. Isso nos proporcionou uma infância mais
longa e o desenvolvimento de nossa inteligência sobre os outros animais. Assim,
o que nos torna humanos, desde os australopithecus, é que homens aceitam
sustentar mulheres, e mulheres não aceitam prover nem um só marido, o que se
dirá de dois ou mais? O corolário é que nunca, jamais, tu deves propor para
dividir o motel e deves trabalhar duro para pagar as contas. Não há igualdade,
e o responsável és tu.
Assim, se tiveres vontade de dormir
com outra, não é algo anormal, motivo de chacota ou de ser considerado um repugnante
inimigo pelas feministas de mentalidade empedrada, pelo contrário, a monogamia
foi proposta pelos filósofos estóicos romanos como forma de dominar a mulher e
acumular dinheiro. Basicamente, mantemos uma só esposa para ficarmos mais ricos
e mandarmos no mundo. Essa é a razão porque dominamos 99% dos ativos (máquinas
de produção, propriedades, ações...), ganhamos mais para exercer as mesmas
funções e dois terços dos miseráveis do mundo são mulheres. A pretensa
igualdade, existente apenas no formalismo dos discursos, gera um tremendo
desequilíbrio social.
A monogamia produz outra
desigualdade terrível: aos 65 anos, 73 por cento dos homens serão casados,
contra apenas 32% das mulheres. Mais de dois terços de todas as mulheres que tu
conheces e amas passarão por uma velhice abandonada, o que é uma tenebrosa
crueldade por parte daqueles homens ricos que escolhem ter apenas uma esposa.
No entanto, é assim que as coisas funcionam e, se for por motivos triviais,
jamais abandona a mulher que escolheste.
Ela merece que tu lutes por ela.
Portanto, nunca a traia, nunca minta.
Se quiseres, e tiveres condições, de ter outra mulher, fale sobre o assunto,
pois é a maneira de te tornar um homem digno, ao contrário do que prega a
sociedade que te empurra para omitires, enganares e ganhares mais e mais
dinheiro, sem nunca dividir. Talvez, trocando de família, para reiniciar
infinitamente no mesmo problema.
Para escolheres aquela com quem
dividirás a vida, portanto, alerto-te para três mulheres que irás encontrar nas
tuas andanças, raríssimas, e, portanto, preciosas, as quais tu deves fazer tudo
aquilo que estiver ao teu alcance para que não se afaste e, melancolicamente,
deixando-a irremediavelmente ir se ela não estiver na mesma sintonia.
A primeira delas é aquela que
cuidará de ti, como a tua mãe o fez. De
maneiras piegas que profundamente mexer-te-ão nos nervos em um primeiro
momento, ela será boa para teus filhos e na primeira dificuldade que tiveres na
vida, irás te certificar que ela ficará ao teu lado quando todos ao redor já te
tiverem dado as costas. Se um dia a abandonares, irás ser tomado de um
arrependimento azedo, pois dificilmente terás outra oportunidade de encontrar
alguém assim.
A segunda mulher incomum é aquela
com quem gostas de estar. É a companheira de viagens, de filmes e de pipocas.
Aquela com que tu gostas de ficar abraçado em silêncio. Aquela com quem tu
gostas de tomar banho de mar e contemplar o horizonte do alto de uma montanha.
Normalmente, ela espelha a ti e em poucas perguntas tu irás ver que vocês têm
experiências de vida em comum, com coincidências surpreendentes.
O terceiro tipo é aquela com que tu
gostas de conversar. Irás encontrar, em toda a tua vida, três, se tiveres
sorte. Talvez quatro, se largamente gratificado por este mundo predominantemente
composto de vazio , carência e escassez. Irás a reconhecer imediatamente por
não ficares em silêncio na sua presença. Se tiveres uma tarde sozinho com ela,
terás assunto para a tarde toda, e ela também.
Outra coisa importante é o leito.
Nesse particular existem alguns indícios que as pessoas não têm como esconder.
Dizem os cientistas que pessoas que
fazem sexo com mais frequência se parecem mais jovens. Na sabedoria medieval do
Kama Sutra, somos informados que existem aquelas de paixões débeis, médias e
altas. Dessa forma, pessoas de libido alta, ainda que não seja uma informação
definitiva, podem se parecer mais jovens em uma proporção muito mais elevada do
que a média.
A sabedoria popular nos diz que as
pessoas são na cama, como na mesa. Por isso observe como ela come. As
enfastiadas e as que comem só para sobreviver terão boas chances também vir a
ser na intimidade. As boas de garfo, conhecedoras dos molhos e das cozinhas têm
mais chances de assim o serem sobre os lençóis. Por consequência, aprenda
culinária, pois terás melhores oportunidades de encontrar alguém com essas
características em uma aula de gastronomia ou num bom restaurante do que em uma
danceteria ou em um bar de petiscos.
Por fim, existem dois tipos
humanos, que podemos chamar de viajantes e de navegadores. Os viajantes são
aqueles que buscam chegar ao destino, para os quais as viagens são cansativas.
Aos navegadores, ao contrário, interessa é o percurso. Tu podes reconhecer a
mulher facilmente, basta fazer uma viagem de automóvel. Se ela insistir em
parar a todo o momento, tirar fotografias, comprar bugigangas e entrar em
cidades fora da rota, a chance de gostar de passar uma tarde sobre a cama, é
muito alta. Se ela reclamar o tempo todo da demora, normalmente, gosta apenas
de prazeres rápidos, o sexo demorado e detalhado não ocupa parte importante na
sua vida e com ela terás encontros mais curtos.
Finalizando, fica mais um último
conselho. Estuda três disciplinas.
A primeira é aquela que nos diz porque casar. A história, a
arqueologia, a biologia, a economia, o direito, são campos do conhecimento que
nos dão essas respostas. Se a nossa sociedade incentiva cada vez mais o
individualismo e a incompreensão entre homem e mulher, por que não seguir a
direção da ventania e simplesmente dizer não ao matrimônio?
Por que a opção não significa ser
livre, mas tornar-te um abandonado, um escravo de tua própria amargura.
A segunda disciplina é a que nos
diz como se relacionar. Estuda a
arte dos lençóis: como conquistar, como se movimentar, como fazer massagens,
como criar um ambiente propício, enfim, não espere até chegar a pessoa certa,
mas se torne ela, de maneira prática, burilada. Semelhantes se atraem, sê aquilo
que tu queres receber.
Por fim, estude para quê serve toda essa insanidade
chamada amor. Adianto-te, serve para que cheguemos ao êxtase, palavra que em
grego quer dizer ao mesmo tempo prazer supremo e parada.
Parar no ápice. Deus? Nirvana?
Samhadi? Iluminação? Paraíso? Chama como quiser, mas essa é a ideia. Um antigo
povo chamado drávida criou há cinco milênios uma disciplina que estuda um
assunto que posteriormente talvez nunca mais tenha sido abordado metodicamente,
os conhecimentos sobre o orgasmo. Essa matéria, exposta de maneira quase que
cartesiana, a qual chamaram de “união”, cujas raízes do sânscrito nos remetem à
nossa palavra “justiça”, que originalmente significava o laço simbólico
colocado nos chifres dos bois a serem negociados, mostrando que as duas partes
estavam irremediavelmente unidas pelo compromisso divino. Raiz etimológica,
aliás, que até hoje se mantém no idioma inglês, em que “yoke” quer dizer uma
junta de bois. Assim, a disciplina do “ius”, “yuk” ou do “yoga”, trata de como
aproveitar o máximo do prazer pela união sexual. É o estudo de oito campos do
conhecimento: da higiene, dos sons, da respiração, das posições, dos gestos,
das entregas, da meditação e do êxtase propriamente dito. Não confunda com esse
alongamento abobalhado de fundo religioso que normalmente é ensinado nas
academias, yoga é muito mais que isso e os arqueólogos nos provam por registros
antigos, que o seu símbolo “sagrado”, o OM, representa um pênis entrando em uma
vagina, o que nos diz muito de seu significado.
Portanto, se quiseres dar e obter
mais prazer, estuda o casamento, a cama e o orgasmo. Acredita, o gozo não é um
espasmo rápido que dura quatro ou cinco segundos, mas um êxtase de longa
duração, que te rejuvenesce, alucina-te mais do que uma droga ilícita e concede
muito mais sacralidade do que as igrejas tentam-te vender. A maior parte das pessoas não sabe disso
porque não está disposta a parar, estudar e praticar.
Muitas mulheres se tornam amargas, e
a maioria esmagadora de fato se torna por causa nossa. Percebe que estas,
majoritariamente, o são porque os do sexo masculino não sabem tocar e ficar ao
lado, coisas simplíssimas, mas ignoradas. As alegrias a dois, portanto,
dependem principalmente do teu empenho. Que essa infâmia não seja, pelo menos
por ti, perpetuada. És homem, ser solar, polo ativo da relação, portanto as
iniciativas te pertencem, faz de alguém, alguém melhor.
Não sabemos por que explodimos com
esse universo infinito, nem porque estamos aqui juntos nesse instante perdido
entre o imensurável passado e o incerto porvir, mas sabemos que o sentido disso
tudo, se é que existe, é mediato, não está no ganhar dinheiro, em dominar os
outros ou no estudar cada vez mais para saber coisas que não conduzem a alma a
uma posição de topo. Não está em relacionar-se com pessoas que apenas nos
promovem aos outros ou nos aliviam momentaneamente. Estes podem até ser meios
fugazes, mas não levam àquilo que realmente interessa. Por isso, não os
idolatre como sentido último de tua vida, pois, adianto-te vivência, não são.
Neste momento deves achar que com
estas breves palavras, fiz do amor algo por demais complexo, já que há poucos
minutos pensavas que a natureza já havia ensinado-te tudo. Ora, ninguém falou
que seria fácil e sempre há o que aprender. Os aforismos aqui apresentados não
concluem, mas tentam apenas despertar-te para o mundo vasto que existe por aí.
Assim, jovem amigo, como ambos
sabemos que em poucas décadas estarei adentrado na minha final integração com o
Cosmos, em um término que se me aproxima implacavelmente, e tu estarás aqui
onde agora estou, neste funesto desfile, já ensaiando os passos para seguir-me
sobre a pedra fria do umbral da passagem para a noite eterna, espero que estas
poucas linhas influenciem na tua escolha de te tornares um ser humano melhor no
decorrer dos anos que te restem.
Apenas torço por estar assim
evitando a repetição dos meus erros por outrem e, em última instância,
tentando-te poupar de reafirmar a frase de DeGaulle, que dizia que a felicidade
não existe. Acredito o contrário, desejo-te do fundo do coração que alcances
tudo o que a vida tem a oferecer. Desejo-te, sobretudo, paz.
Com meus cumprimentos sinceros,
Luiz de Wetterlé Bonow
Primavera de 2012.