O Paraíso É os Outros
Imagine-se em um jantar elegante.
Se leitor, com uma linda morena elegantemente vestida. Se leitora, com um lindo
moreno elegantemente vestido. O ambiente do restaurante é ricamente decorado,
com candelabros de cristal e paredes pintadas à mão, mesa com louça inglesa, talheres
de prata e lindas baixelas. O austero garçom reclina-se para mostrar o rótulo do
champanhe e uma pequena orquestra toca ao vivo. A lagosta é servida dentre uma
colorida guarnição e todos ao redor falam baixo com os guardanapos de alvo
linho sobre os colos.
Agora, tire-se a morena ou o moreno
que o acompanha o cliente. A cena é a mesma, tudo perfeito e elegante, mas
talvez o triste e patético personagem desta ceia de abandono pense que seria melhor ter apanhado um lanche no drive thru mais próximo, já que solidão é o
antônimo do glamour.
Pode-se acampar sozinho. Pode-se
fazer um churrasco sozinho. Nada impede de se ter uma bela casa só para si.
Nada impede de se passear no zoológico ou escorregar em uma cascata sozinho,
mas onde está a graça disso tudo?
Temos aprendido, já há décadas, que
as pessoas não importam, mas apenas as nossas experiências. Não importa com
quem casamos, mas o número de com quantos nos deitamos. Não importam como estão
os filhos, mas a liberdade que eles nos roubaram. Não importam os ambientes de convívio, a nossa casa ou o
nosso país, já que todos ao pó iremos, logo: desfrutemos e não acumulemos. Não
importa a alta cultura, já que não temos nada a preservar ao próximo. Não
importa a lucidez, se a droga é minha e ninguém tem nada a ver com isso. Não
importam os fetos dilacerados, mas o corpo da mulher...
O outro não é um inferno, mas
justamente aquilo que nos dá identidade. As experiências existem, não para nos
alegrarem, mas para compartilharmos a alegria.
Sozinhos, um deslumbrante pôr do
sol é apenas mais um fenômeno natural e um belo rio, é apenas água correndo. Se
estivéssemos sós no mundo, neste momento os matos estariam tomando conta das
ruas por onde andaríamos. Se estivéssemos sós no mundo, os Rembrandts e Rodins
estariam apodrecendo em algum canto. A grandiosidade que atribuímos à vida humana
seria constituída apenas de trincas, acúmulo de pó, desabamentos e bolor.
A beleza existe porque existe o
outro.
A ideia arrogante e egoísta de que
nada importa foi-nos imposta por gente má e azeda, que quer que, como ela, nos
afastemos da família, abandonemos nossos filhos, obras, prazeres e virtudes.
As experiências transcendentais que
buscamos, simplesmente não existem, porque não existe o transcendente, mas
apenas a realidade palpável da fusão dos olhares, do calor dos abraços, das
carícias das palavras, dos toques suaves dos dedos e da comunhão das mentes.
Não existem experiências que valham
a pena por si só, o valor intrínseco das coisas está no compartilhamento do belo e do deslumbrante. Sim, temos o poder de despejar sobre nós a graça do paraíso. E o
paraíso é os outros.
Ser humano significa estar com
humanos.
Luiz W. Bonow, agosto de 2017.