domingo, 7 de outubro de 2012

CARTA A UM JOVEM QUE COMEÇA A AMAR, DE UM HOMEM MADURO QUE JÁ TEM AMADO


Caro jovem amigo,
preciso-lhe escrever estas linhas que, sem  almejar a grandeza de um Rilke ou a perspicácia de um Franklin, tratam de assunto pertinente a todos os homens e que não posso deixar de te advertir, mesmo sabendo que só serei compreendido depois de te tornares irremediavelmente ferido pelo peso dos anos e pela só aparente leveza dos beijos femininos. Eu que estou, se não ainda no ocaso da vida, digamos, já no horário do lanche da tarde, fortuitamente encontrei-te a pouco pela rua, pisando em ovos, sorrindo de forma constrangida para mim, como se algo tivesse a censurar-te, tentando explicar-te para, desculpando-me eu aqui pela impessoalidade do pronome pessoal, para ela a respeito de acontecimentos ordinários sobre os quais, sabemos, dentre as mulheres gotas de um copo d’água transformam-se em tempestades.
Não quero ser pessimista, mas, acredita, será assim para toda a tua vida, pois, repentinamente abrindo-se a cortina e acendendo-se a ribalta, somos jogados para contracenar neste palco sem ninguém nos ter repassado o texto ou ensinado as marcações. 
Escutemos os que vieram antes de nós. Orson Welles falava que se não fossem as mulheres, estaríamos ainda sentados em uma caverna, comendo carne crua. Tudo o que fazemos é para impressionar as nossas namoradas. 
Sabendo disso, estas, merecidamente ufanas, nos repetem o lugarcomum de que só seremos grandes se tivermos uma delas por detrás, mas recorda-te da advertência de Ortega y Gasset, de que elas sempre estão tentando nos manter em um patamar medíocre e impedir de nos tornarmos semideuses. E o pior de tudo é que ambas as afirmações, ainda que contraditórias, são verdades. Dessa maneira, quando estiveres quase descobrindo a cura do câncer ou o porquê das galáxias se afastarem em ritmo tão acelerado, e fores obrigado por uma delas a sair para buscar um desentupidor de pia ou um frasco de baunilha no supermercado, lembra-te que as grandes questões nem sequer teriam sido cogitadas se tu estivesses sozinho, a tua grandeza, que almejo ocorra, não o será apesar de, mas também por causa dela. Jamais na história uma mulher compôs uma sinfonia, mas se não fossem as mulheres, nunca teria existido um Mozart.
Como conheço tua inteligência, sei que de jovem que acredita no mundo de ideais, proposto por Platão, e na bondade, proposta por Cristo e Rousseau, o tempo passará e tornar-te-ás ciente da crueldade dos lobos e da praticidade de jaulas, chicotes e focinheiras para que não nos devoremos uns aos outros. No entanto, quando se trata do amor, evadem-se todas as formas ideológicas de pensar, as que adoçam a juventude e as que dão fel à maturidade, e restam apenas dois tipos de homens: os cínicos.
Mas não se engane, pois o homógrafo divide os sábios dos imbecis. O primeiro tipo é daquele cínico assim definido pela língua portuguesa, do que mente, do que ilude, do que finge aquilo que não é, achando que está levando vantagem e enganando as mulheres. O segundo é o cínico assim exposto pela filosofia grega, do tipo que é honesto como um cão e profere verdades mesmo sabendo que talvez venha a ser prejudicado.
Tuas pernas irão tremer e teus lábios irão vibrar em indecisões apavoradas, mas quando ouvires perguntas cruciais para a alma feminina como “Com quem estavas ontem à noite?”, ou, pior ainda, “Estou gorda?”, deverás optar em qual dos dois cínicos queres te tornar.
Se escolheres ser dos cínicos mentirosos, sinto informar, mas serás corno. Serás pobre, pois perderás todos os bens que conquistaste. Seguir-te-á um séquito de golpistas, amparadas por um Poder Judiciário nem sempre equânime. Talvez também doenças incômodas e inconfessáveis. Talvez, trarás ao mundo inocentes não desejados ou planejados. Podes não acreditar, mas mulheres admitem ofensas, admitem repreensões. Admitem até que tu durmas com outra, aliás, as estatísticas colhidas na intimidade informam que a maioria gostaria de, ela própria, deitar-se com outra mulher, não se iluda com as imposições da sociedade.  Elas só não admitem agressões gratuitas, mentiras e abandono.
Se mentires, não estarás levando vantagem alguma, apenas partindo do pressuposto que a pessoa que tu amas veste touca de pacóvio. Escuta o amigo que tem avançado em anos, isso ela não o é, senão tu não a terias escolhido para compartilhar a vida. Portanto, escolhas a verdade canina, tornar-te o supersincero ao qual todas as mulheres rangem os dentes, mas apreciam.  
Se assim concordamos que esses seres maravilhosos não nem iguais a nós e nem são as estúpidas que os homens tolos acreditam que elas são, e como eu sei que, de todas essas considerações que julgo sensatas que aqui te tentei passar a única que te acordou até agora na leitura e mexeu com tua imaginação, foi a das mulheres dormindo com as outras, pois por mais que nos esforcemos, nenhum conselho ponderado pode superar as fantasias mais primitivas, devo esclarecer esse assunto mais profundamente, pois abandonar-se a uma só mulher, no desprezo de todas as outras maravilhosas que por aí estão, disponíveis e insinuantes, depende de sacrifício que nem todos os homens estão dispostos a cumprir, muito menos quando estão nas idades verdes.
Para compreendermos essa concessão, essa desigualdade antropológica, esquece teus delírios igualitários dos tenros anos e encara o fato de que na maior parte das sociedades as mulheres aceitam que os homens ricos tenham outras. De passagem, desejo-te também riqueza.
Se já concordamos que as mulheres não são umas imbecis, exploradas brutalmente por marmanjos agressivos, devemos aceitar que existe uma concordância feminina. Nas sociedades poligâmicas, apenas 2 a 5% das famílias possuem mais de uma esposa, o que não é muito diferente da nossa, formalmente monogâmica, mas materialmente hipócrita, em que uma pequena parcela dos homens mantém uma amante.
Essa concessão tem diversos motivos que nos trazem compreensões sobre a alma feminina.  Temos o motivo bioquímico, que determina que as mulheres, quando são tocadas, liberam o hormônio chamado oxitocina, responsável pela afetividade e vontade de ser protegida. Homens liberam vasopresina, que é o hormônio responsável pela territorialidade. Assim, quando dormires com tua namorada, tenhas consciência que ela quer que tu fiques por perto e tu não queres que os outros homens durmam com ela. As razões de ficarem juntos para sempre são diferentes, apesar do ato do matrimônio ser o mesmo. Há também o motivo sexual: como disse, sabe-se que 60% das mulheres topam dormir com outras mulheres enquanto que apenas 20% dos homens assim se interessam por homens, o que as leva a serem mais condescendentes com tal atitude, principalmente se também participarem. Tem-se ainda o motivo econômico. O ser humano aprendeu a caminhar sobre duas pernas para que o homem trouxesse alimentos para a fêmea que amamenta. Isso nos proporcionou uma infância mais longa e o desenvolvimento de nossa inteligência sobre os outros animais. Assim, o que nos torna humanos, desde os australopithecus, é que homens aceitam sustentar mulheres, e mulheres não aceitam prover nem um só marido, o que se dirá de dois ou mais? O corolário é que nunca, jamais, tu deves propor para dividir o motel e deves trabalhar duro para pagar as contas. Não há igualdade, e o responsável és tu.
Assim, se tiveres vontade de dormir com outra, não é algo anormal, motivo de chacota ou de ser considerado um repugnante inimigo pelas feministas de mentalidade empedrada, pelo contrário, a monogamia foi proposta pelos filósofos estóicos romanos como forma de dominar a mulher e acumular dinheiro. Basicamente, mantemos uma só esposa para ficarmos mais ricos e mandarmos no mundo. Essa é a razão porque dominamos 99% dos ativos (máquinas de produção, propriedades, ações...), ganhamos mais para exercer as mesmas funções e dois terços dos miseráveis do mundo são mulheres. A pretensa igualdade, existente apenas no formalismo dos discursos, gera um tremendo desequilíbrio social.
A monogamia produz outra desigualdade terrível: aos 65 anos, 73 por cento dos homens serão casados, contra apenas 32% das mulheres. Mais de dois terços de todas as mulheres que tu conheces e amas passarão por uma velhice abandonada, o que é uma tenebrosa crueldade por parte daqueles homens ricos que escolhem ter apenas uma esposa. No entanto, é assim que as coisas funcionam e, se for por motivos triviais, jamais abandona a mulher que escolheste.  Ela merece que tu lutes por ela.
Portanto, nunca a traia, nunca minta. Se quiseres, e tiveres condições, de ter outra mulher, fale sobre o assunto, pois é a maneira de te tornar um homem digno, ao contrário do que prega a sociedade que te empurra para omitires, enganares e ganhares mais e mais dinheiro, sem nunca dividir. Talvez, trocando de família, para reiniciar infinitamente no mesmo problema.
Para escolheres aquela com quem dividirás a vida, portanto, alerto-te para três mulheres que irás encontrar nas tuas andanças, raríssimas, e, portanto, preciosas, as quais tu deves fazer tudo aquilo que estiver ao teu alcance para que não se afaste e, melancolicamente, deixando-a irremediavelmente ir se ela não estiver na mesma sintonia.
A primeira delas é aquela que cuidará de ti, como a tua mãe o fez.  De maneiras piegas que profundamente mexer-te-ão nos nervos em um primeiro momento, ela será boa para teus filhos e na primeira dificuldade que tiveres na vida, irás te certificar que ela ficará ao teu lado quando todos ao redor já te tiverem dado as costas. Se um dia a abandonares, irás ser tomado de um arrependimento azedo, pois dificilmente terás outra oportunidade de encontrar alguém assim.
A segunda mulher incomum é aquela com quem gostas de estar. É a companheira de viagens, de filmes e de pipocas. Aquela com que tu gostas de ficar abraçado em silêncio. Aquela com quem tu gostas de tomar banho de mar e contemplar o horizonte do alto de uma montanha. Normalmente, ela espelha a ti e em poucas perguntas tu irás ver que vocês têm experiências de vida em comum, com coincidências surpreendentes.
O terceiro tipo é aquela com que tu gostas de conversar. Irás encontrar, em toda a tua vida, três, se tiveres sorte. Talvez quatro, se largamente gratificado por este mundo predominantemente composto de vazio , carência e escassez. Irás a reconhecer imediatamente por não ficares em silêncio na sua presença. Se tiveres uma tarde sozinho com ela, terás assunto para a tarde toda, e ela também.
Outra coisa importante é o leito. Nesse particular existem alguns indícios que as pessoas não têm como esconder.
Dizem os cientistas que pessoas que fazem sexo com mais frequência se parecem mais jovens. Na sabedoria medieval do Kama Sutra, somos informados que existem aquelas de paixões débeis, médias e altas. Dessa forma, pessoas de libido alta, ainda que não seja uma informação definitiva, podem se parecer mais jovens em uma proporção muito mais elevada do que a média. 
A sabedoria popular nos diz que as pessoas são na cama, como na mesa. Por isso observe como ela come. As enfastiadas e as que comem só para sobreviver terão boas chances também vir a ser na intimidade. As boas de garfo, conhecedoras dos molhos e das cozinhas têm mais chances de assim o serem sobre os lençóis. Por consequência, aprenda culinária, pois terás melhores oportunidades de encontrar alguém com essas características em uma aula de gastronomia ou num bom restaurante do que em uma danceteria ou em um bar de petiscos.
Por fim, existem dois tipos humanos, que podemos chamar de viajantes e de navegadores. Os viajantes são aqueles que buscam chegar ao destino, para os quais as viagens são cansativas. Aos navegadores, ao contrário, interessa é o percurso. Tu podes reconhecer a mulher facilmente, basta fazer uma viagem de automóvel. Se ela insistir em parar a todo o momento, tirar fotografias, comprar bugigangas e entrar em cidades fora da rota, a chance de gostar de passar uma tarde sobre a cama, é muito alta. Se ela reclamar o tempo todo da demora, normalmente, gosta apenas de prazeres rápidos, o sexo demorado e detalhado não ocupa parte importante na sua vida e com ela terás encontros mais curtos. 
Finalizando, fica mais um último conselho. Estuda três disciplinas.
A primeira é aquela que nos diz porque casar. A história, a arqueologia, a biologia, a economia, o direito, são campos do conhecimento que nos dão essas respostas. Se a nossa sociedade incentiva cada vez mais o individualismo e a incompreensão entre homem e mulher, por que não seguir a direção da ventania e simplesmente dizer não ao matrimônio? 
Por que a opção não significa ser livre, mas tornar-te um abandonado, um escravo de tua própria amargura.    
A segunda disciplina é a que nos diz como se relacionar. Estuda a arte dos lençóis: como conquistar, como se movimentar, como fazer massagens, como criar um ambiente propício, enfim, não espere até chegar a pessoa certa, mas se torne ela, de maneira prática, burilada. Semelhantes se atraem, sê aquilo que tu queres receber.
Por fim, estude para quê serve toda essa insanidade chamada amor. Adianto-te, serve para que cheguemos ao êxtase, palavra que em grego quer dizer ao mesmo tempo prazer supremo e parada.
Parar no ápice. Deus? Nirvana? Samhadi? Iluminação? Paraíso? Chama como quiser, mas essa é a ideia. Um antigo povo chamado drávida criou há cinco milênios uma disciplina que estuda um assunto que posteriormente talvez nunca mais tenha sido abordado metodicamente, os conhecimentos sobre o orgasmo. Essa matéria, exposta de maneira quase que cartesiana, a qual chamaram de “união”, cujas raízes do sânscrito nos remetem à nossa palavra “justiça”, que originalmente significava o laço simbólico colocado nos chifres dos bois a serem negociados, mostrando que as duas partes estavam irremediavelmente unidas pelo compromisso divino. Raiz etimológica, aliás, que até hoje se mantém no idioma inglês, em que “yoke” quer dizer uma junta de bois. Assim, a disciplina do “ius”, “yuk” ou do “yoga”, trata de como aproveitar o máximo do prazer pela união sexual. É o estudo de oito campos do conhecimento: da higiene, dos sons, da respiração, das posições, dos gestos, das entregas, da meditação e do êxtase propriamente dito. Não confunda com esse alongamento abobalhado de fundo religioso que normalmente é ensinado nas academias, yoga é muito mais que isso e os arqueólogos nos provam por registros antigos, que o seu símbolo “sagrado”, o OM, representa um pênis entrando em uma vagina, o que nos diz muito de seu significado.
Portanto, se quiseres dar e obter mais prazer, estuda o casamento, a cama e o orgasmo. Acredita, o gozo não é um espasmo rápido que dura quatro ou cinco segundos, mas um êxtase de longa duração, que te rejuvenesce, alucina-te mais do que uma droga ilícita e concede muito mais sacralidade do que as igrejas tentam-te vender.  A maior parte das pessoas não sabe disso porque não está disposta a parar, estudar e praticar.
Muitas mulheres se tornam amargas, e a maioria esmagadora de fato se torna por causa nossa. Percebe que estas, majoritariamente, o são porque os do sexo masculino não sabem tocar e ficar ao lado, coisas simplíssimas, mas ignoradas. As alegrias a dois, portanto, dependem principalmente do teu empenho. Que essa infâmia não seja, pelo menos por ti, perpetuada. És homem, ser solar, polo ativo da relação, portanto as iniciativas te pertencem, faz de alguém, alguém melhor.
Não sabemos por que explodimos com esse universo infinito, nem porque estamos aqui juntos nesse instante perdido entre o imensurável passado e o incerto porvir, mas sabemos que o sentido disso tudo, se é que existe, é mediato, não está no ganhar dinheiro, em dominar os outros ou no estudar cada vez mais para saber coisas que não conduzem a alma a uma posição de topo. Não está em relacionar-se com pessoas que apenas nos promovem aos outros ou nos aliviam momentaneamente. Estes podem até ser meios fugazes, mas não levam àquilo que realmente interessa. Por isso, não os idolatre como sentido último de tua vida, pois, adianto-te vivência, não são.
Neste momento deves achar que com estas breves palavras, fiz do amor algo por demais complexo, já que há poucos minutos pensavas que a natureza já havia ensinado-te tudo. Ora, ninguém falou que seria fácil e sempre há o que aprender. Os aforismos aqui apresentados não concluem, mas tentam apenas despertar-te para o mundo vasto que existe por aí.  
Assim, jovem amigo, como ambos sabemos que em poucas décadas estarei adentrado na minha final integração com o Cosmos, em um término que se me aproxima implacavelmente, e tu estarás aqui onde agora estou, neste funesto desfile, já ensaiando os passos para seguir-me sobre a pedra fria do umbral da passagem para a noite eterna, espero que estas poucas linhas influenciem na tua escolha de te tornares um ser humano melhor no decorrer dos anos que te restem.
Apenas torço por estar assim evitando a repetição dos meus erros por outrem e, em última instância, tentando-te poupar de reafirmar a frase de DeGaulle, que dizia que a felicidade não existe. Acredito o contrário, desejo-te do fundo do coração que alcances tudo o que a vida tem a oferecer. Desejo-te, sobretudo, paz.
Com meus cumprimentos sinceros,
Luiz de Wetterlé Bonow
Primavera de 2012.