sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Barqueiros e Navegadores

Barcos vão e barcos vêm.
Alguns, balsas, que vão daqui até ali, nunca saindo das duas margens em que se propuseram estar.
Existem barqueiros que descem e sobem o rio. Conhecem os atracadouros, suas cargas, suas pessoas e estão satisfeitos consigo mesmos porque fazem algo importante e útil. E estão certos no seu trabalho, ninguém duvida da sua competência e necessidade.
No entanto, existem aqueles que vão mais longe, além da desembocadura e aventuram-se para o mar bravio. Passam a rebentação das ondas e descobrem as maravilhas da costa. São aqueles que vislumbram as areias finas, os coqueiros e tartarugas que ali se encontram.
E o que sobra para os navegadores solitários que vão além?
Vão para onde? Para o outro lado do mar? Que lado, se existem muitas praias e atracadouros? Qual é o rumo que a bússola e as estrelas traçarão?
Enfrentarão tempestades e ondas gigantescas.
E o tédio e a monotonia dos fracos ventos.
E os azares da sorte, azares de toda sorte.
No entanto ao chegarem – se chegarem – terão ido além, muito além, daquele balseiro que só vislumbrava a margem seguinte do rio.
Assim, nas rotas que o destino traça e que nós só, arrogantemente, pensamos que traçamos, ao perguntares, amigo, por que não vês a outra margem, o destino que a vida nos apronta, o motivo é só um: porque ela está muito distante, do outro lado do mar.
E a essa margem, invisível, desconhecida e incerta, só aqueles com coragem, persistência e que veem com os olhos da alma é que conseguem alcançar.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Da Igualdade e do Futuro

Como garantir iguais oportunidades e os direitos conquistados às gerações futuras?
Para respondermos essas questões devemos nos perguntar qual é a razão das desigualdades entre os homens. Por este termo, nos referimos especificamente às desigualdades econômicas, que são de dois tipos, qualitativas e quantitativas.
Como sabemos, um cirurgião neurológico normalmente recebe muito mais pelos seus serviços do que um professor de história, mesmo que ambos tenham passado o mesmo tempo nos bancos escolares.
Por que isso ocorre? Porque existe uma diferença econômica qualitativa: quando tivermos um tumor no cérebro teremos necessariamente que procurar um médico, mas podemos viver perfeitamente com uma dúvida em história. A necessidade imediata cria escassez de profissionais e gera diferenças salariais gritantes.
Por outro lado, dois médicos com a mesma formação, recebem também valores diferentes pelos seus serviços, pois ocorrem diferenças quantitativas, incluídos neste item não só a capacidade profissional individual, como também a capacidade de marketing, de empreendedorismo, de carisma e relacionamentos pessoais e até mesmo de sorte, que é um fator importante na vida.
A primeira resposta, portanto, é que iguais oportunidades não geram iguais resultados e isso não pode ser diferente, pois se recompensarmos as pessoas igualmente pelo resultado, isto é, equalizar o salário de todos em um único patamar, através de determinação estatal ou impostos muito desiguais, faltarão cirurgiões neurológicos e engenheiros aeroespaciais e sobrarão fotógrafos de mulheres nuas e degustadores de chocolate, pois o incentivo econômico é um dos principais fatores que determina a vocação.
Assim, podemos afirmar com certeza que o futuro não só não será igualitário, como gerarmos iguais oportunidades não nos aproximará dessa utopia absurda.
A segunda questão é como garantirmos os direitos conquistados às gerações futuras.
Ora, a queda do Muro de Berlim provou que é impossível planejar o direito e a economia no espaço, como poderíamos ousar planejá-los no tempo? A ideia de gerar uma colônia de formigas humanas não deu certo e nem dará, já que, desculpe ao leitor o lugar-comum de filosofia oriental barata, mas a única coisa permanente na vida é a mudança. As intrínsecas diferenças entre os homens, totalmente insanáveis, e a total imprevisibilidade do futuro nos garantem apenas uma afirmação: a de que nada é garantido.
Napoleão tentou criar um código civil dos franceses, com a pretensão de ser universal em vontades e valores, ficando totalmente ultrapassado poucos anos depois, já que a humanidade evolui. Todas as tentativas históricas neste sentido fracassaram de forma humilhante.
Mas, supondo que nós realmente tenhamos conquistado definitivamente valores e princípios universais, supondo que esses valores e princípios existam e sejam realmente universais, o que já é um ponto de partida completamente absurdo, mas vá lá, como os garantir às gerações futuras?
A resposta é: não podemos. Já que o ser humano, desigual por natureza, pensa, evolui, reconsidera, estuda, cresce...
E isso é bom.
E isso não deve ser mudado.
E, felizmente, não se pode.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Das Pessoas Que Eu Gosto

As pessoas que eu gosto possuem três características.
As pessoas que eu não vou muito com a cara não possuem uma ou mais dessas características.
As pessoas que eu gosto, gostam de comer bem.
E o que tem de tão especial nas pessoas que gostam de comer bem?
É porque o prazer não é algo estanque. Pessoas que gostam de comer bem, bem sabem também apreciar a beleza da vida, conseguem perceber a transcendência de uma obra de arte, o êxtase de um pôr-do-sol e a epifania de uma relação amorosa. E como o prazer não é algo estanque, têm também consciência da finitude desta efêmera vida e que se algo não fizerem do algo de tempo que lhes resta, passarão pela existência como se nunca tivessem existido.
Pessoas que gostam de comer bem, importam-se se tiverem que passar pela vida como se nunca tivessem existido, incomodam-se com a mediocridade.
Pessoas que gostam de comer bem é que trazem significância para o restante de seus pares, pares para os quais não têm muita importância as garfadas de pouco gosto.
As pessoas que eu gosto, têm caráter.
Não falo das pessoas que não furtam e nem atentam contra a vida de seus desafetos, não é desse caráter graúdo, ponto passivo, a que me refiro, sobre o qual nem seria preciso mencionar, mas o caráter minúsculo, cotidiano.
É não dizer uma coisa que não possa cumprir, apenas para levar uma vantagem momentânea. É não fazer coisas sobre as quais precise mentir. É interferir contra as injustiças, não aquelas injustiças que tenham sido praticadas contra si próprio, mas fundamentalmente defender o outro até o limite de suas possibilidades e forças simplesmente porque vê ali um rasgo de razão, é não se omitir, não se evadir, falar o que pensa, mesmo sabendo que algumas vezes vai fazer inimizades.
Por fim, as pessoas que eu gosto, não confundem caráter com moral.
As pessoas que eu gosto, são amorais.
Muitas vezes a moralidade é vista como algo positivo, mas dentro do meu ponto de vista, não passa de um desejo doentio de pertencer a um grupo. O moralista é aquele que pensa com a cabeça do outro, ou, pior, pensa com o dedo indicador do outro, que pensa que o aponta inquisitorialmente.
O moralista é aquele que pensa como pensa que o outro deve pensar do que ele próprio deveria pensar.
Ele pensa como o padre, como o papai e a mamãe, como o chefe, como o partido político, como o time de futebol, como o vizinho de muro deveriam pensar daquilo que ele deveria pensar.
São aquelas pessoas para as quais os do seu grupo são infinitamente, imaculadamente, bons e os adversários são impuros e passivos de eliminação.
São aquelas pessoas que pensam que a sua moral é o seu caráter, ou mais ainda, o caráter único existente. Incontestável.
Só as pessoas amorais são livres porque se comunicam diretamente consigo mesmas, sem intermediários, portanto não são capazes de mentir para si próprias e consequentemente não têm a capacidade de mentir para o próximo.
E quem não mente, quem tem caráter e quem come bem é uma pessoa íntegra.
E essas são as pessoas que eu gosto. As demais, não vou muito com a cara.