quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Como Era

Muitas vezes as pessoas olham o passado com saudosismo, como se o mundo estivesse em franca decadência moral, visual e econômica.
“Hoje os filhinhos-de-papai ficam impunes ao agredir mulheres em pontos de ônibus e índios dormindo”, dizem alguns. Em Corinto, no século V a.C. já era assim. Para sair à rua à noite, era preciso sair protegido por um escravo e com tochas, pois gangues de adolescentes de pais abastados surravam os passantes. Essa impunidade não é nada nova.
Não é preciso ir tão longe no tempo e na geografia. Alguém se lembra de como era o Brasil?
Hoje, ao ir-se em qualquer lanchonete de uma grande cidade, as atendentes usam luvas e toucas para manusear os alimentos. Quando eu era criança, comer na rua era muito mais sujo. Lembro de comprar sorvete de casquinha e a vendedora me entregar o sorvete com a mesma mão com que pegava o dinheiro. Guardanapos de papel para apanhar a casquinha surgiram muito tempo depois, lá pelos anos 80.
Falam mal das nossas leis, mas lembro de ir comprar um jornal “O Pasquim”, em 1978 e sair com ele escondido dentro da jaqueta, pois a gente tinha medo que passasse um policial e levasse a gente (eu, com 14 anos) para a delegacia prestar esclarecimentos. Apesar dos pesares, tem um monte de coisas que a constituição de 88 melhorou no país, inclusive é muito mais difícil dar um golpe de estado por aqui.
Anúncios de cigarros na TV. Anúncios de moto-serras nas revistas. Automóveis sem cinto de segurança e que perdiam a estabilidade aos 80Km/h. Tudo isso havia.
Os brinquedos eram cheios de peças perigosas e tinham pinturas com chumbo. Aliás, havia soldadinhos feitos de chumbo que as crianças adoravam levar à boca. Foguetes que alcançavam 70 metros de altura, verdadeiros mísseis nas mãos dos meninos. Revólveres de espoleta que soltavam faíscas nos olhos. Barquinhos de latão movidos a álcool e fogo. Uma forma comum de se construir brinquedos era com latão estampado. Facílimo de se cortar nas pontas. Parquinhos de diversão eram construídos de madeira e pregos, volta e meia rasgávamos nossos fundilhos no escorregador.
Era comum encontrar pessoas com paralisia infantil. Todo mundo conhecia alguém deformado pela Talidomida, um medicamento que provocava a má formação do feto, na década de 60.
Andar de avião era uma atividade luxuosa, para poucos. As pessoas andavam penduradas para fora dos bondes, sem a mínima segurança. Passei a minha infância viajando de trem porque não haviam estradas asfaltadas. No Brasil inteiro não havia ônibus com ar condicionado.
A cultura era complicada. Para conseguir escutar alguém falando um idioma estrangeiro, era preciso comprar um disco de música ou ir ao cinema, não existia tecla SAP e nem Internet. Para descobrir qualquer informação sobre determinado assunto, só pesquisando em bibliotecas, que aliás aqui no Brasil sempre foram péssimas.
Para fazer um telefonema do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre, eu ia com o meu pai para a telefônica a uma da tarde e só saía de lá às cinco horas, ficávamos sentados no banquinho esperando a moça completar a ligação todo esse tempo. Quando a minha tia vinha do Rio de Janeiro para nos visitar, todos a cercavam para saber o final da novela, pois não existia rede nacional de TV e por lá os capítulos passavam antes.
Separar o lixo reciclável? Ora, há trinta anos as pessoas no nosso país sequer usavam lixeiras nas cidades, jogavam tudo no chão.
Abastecimento? Bacon se comprava em delicatessens, que em Porto Alegre só tinha o (saudoso) Armazém Rio Grandense. Fazer arroz com funghi e pinoli em casa, nem pensar, não existiam esses produtos para vender! Ninguém nem sequer sabia o que era sushi ou quibe. O primeiro hipermercado de Porto Alegre, o Dinosul seria um mercadinho para os padrões de hoje.
Produtos industrializados eram caríssimos. Lá em casa éramos sete pessoas para almoçar aos domingos. Classe média, meu pai era engenheiro agrônomo e tinha um bom cargo na Secretaria da Agricultura. Hoje em dia ganharia um bom salário, como o quê? Uns sete, oito mil por mês, no mínimo... Naquela época era apenas um emprego modesto. Para assistir TV, toda a vizinhança, também de classe média, ia para a casa do meu avô. E como era o nosso almoço? Um tijolo de 1Kg de sorvete para todos. Uma garrafa de um litro de Coca-cola para todos os 7. Mais do que isso, não dava prá comprar.
Em 1989, vim trabalhar em Curitiba e fui procurar casa para alugar no bairro do Bacacheri. Fora das ruas principais, quase todas as ruas eram de terra. Hoje em dia, nem vinte anos depois, é difícil encontrar uma rua sem asfalto em bairros importantes da cidade.
Em outras palavras, nós, brasileiros reclamamos da vida, mas esquecemos que por aqui já foi bem pior. Por incrível que pareça e por mais que tenhamos boas lembranças de um passado idílico, no longo prazo o Brasil está melhorando a olhos vistos.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Cidade Maravilhosa

Uma coisa que eu não entendo muito bem, é porque carioca tem mania de dizer que o Rio não é perigoso, que é tudo um complô da grande mídia. Será? Deixem eu contar as minhas experiências.
Em 1980, fui num campeonato de esgrima no Flamengo. Pois bem, eu tinha uma tia que morava no Botafogo e no final das provas, a equipe foi comer uma pizza em Copacabana. Para quem não conhece as três praias são quase na seqüência, indo para o sul. Como já estava ficando tarde, resolvi descer do ônibus, pois naquela época não havia porteiro eletrônico e se fechassem o portão do prédio, eu iria ter dificuldades. Sorte minha, pois no ponto seguinte em que eu desci, assaltaram todos os meus colegas. Veja-se bem: há mais de um quarto de século já era assim.
Uns três anos mais tarde, eu estava com dois amigos em outro ônibus. Na nossa frente tinha uma moça com os óculos de sol na cabeça. Um cara colocou a mão para dentro da janela, simplesmente roubou os óculos e apanhou outro ônibus, sem que ninguém desse a menor bola.
Em 88, fiquei dois meses por lá, fazendo um curso no Aeroclube de Maricá e viajando quase que diariamente da casa dessa minha tia até aquela cidade. Nesses meus trajetos vi vários assaltos e gritos de pega-ladrão.
Na década de 90, ficou pior. Fui de carro prá Búzios, lá por 1994, e na volta, resolvi desviar do Rio, pela Baixada. Foi a primeira vez que vi policiais com armas de guerra nas estradas e com tábuas com pregos prontas paras serem puxadas para o meio da pista e assim furarem pneus de eventuais fugitivos.
Uns dois ou três anos depois, fui prá Angra e resolvi ir ao Rio. Para não me expor com automóvel, resolvi deixar num shopping e passear de metrô pelo centro. Lá pelas tantas, parado em uma estação, ouviu-se um tiro. A luz do vagão baixou e começou um corre-corre na plataforma. Todo mundo se atirou no chão. Era um assaltante que foi dominado e na confusão levou um tiro na perna. E eu ali, com uma camisa bem branquinha...
Na volta para Angra, passei por um presunto estirado no meio da estrada, logo ao sul do Recreio, com a polícia conversando como se fosse a coisa mais trivial do mundo.
Por fim, eu estava conversando em um chat na época em que começou a Internet com uma moça que morava em uma ruazinha calma do Flamengo e ela ficou me criticando quando eu contei essas histórias, falando que só podia ser azar o meu, pois isso nunca acontecia por lá, o Rio não era mais perigoso do que outras cidades grandes, aquela coisa... lá pelas tantas, ela demorou um tempão para responder. Quando voltou, perguntei o que tinha acontecido: “é que deu um tiroteio aqui na rua... isso nunca havia acontecido, você que deve atrair essas coisas!”
Se atraio, eu não sei, mas que o Rio de Janeiro é dose prá leão, isso ninguém me tira da cabeça.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

CPMF, de novo.

Semana passada, eu escrevi sobre como ninguém discute o corte dos gastos públicos, ao invés disso ficam discutindo sobre a necessidade ou não de impostos.
Relendo o texto, acho que não esgotei o assunto. Tem uma coisa que vale a pena mencionar e que peço aos meus leitores não me jogarem tomates antes de eu terminar.
Sou a favor da CPMF. Pior: sou a favor de aumentar a CPMF! Pior ainda: para 25%!
Em tempo: desde que acabem com os outros impostos e pedágios!
Repito. Desde que acabem com os outros impostos e pedágios!
Controlar a movimentação financeira é a forma mais justa de arrecadar. Ganhou, pagou. Simples.
Acho que seria um negocião para os homens de bem desse país, já que pagam 40% de tudo o que recebem.
É claro, que nem todos têm interesse. Para quem tem negócios escusos, deixar que a Receita Federal tenha um parâmetro do que está passando pela sua conta bancária, é um estorvo tremendo. Bandidos detestam a CPMF por motivos óbvios.
Quase todos os servidores da Receita teriam de ser postos em disponibilidade. Com um imposto único, daria para reduzir a máquina de arrecadação ao quê? Três? Dois por cento da atual? O custo do Estado ficaria muito menor.
Sonegadores de impostos em geral também detestam a idéia da CPMF, pois é difícil de negar um determinado montante aparecendo na própria conta bancária.
Iria surgir uma moeda paralela, composta de cheques endossados, alegariam alguns. Ora, contra isso, bastaria proibir o endosso de cheques, só valeriam cheques nominais, o dinheiro sairia de uma conta para outra, sem escalas intermediárias. O problema me parece simples de resolver.
Portanto, que fique bem claro, não é que eu seja contra a idéia de um imposto único sobre movimentação financeira. Sou apenas contra o inchaço do Estado e a corrupção.
Aliás, nesse país nem é bom falar muito dessas idéias porque senão daqui a pouco algum legislador vai inventar de manter todos os impostos altos como estão e ainda aumentar a CPMF... para 25%. E ainda dizer que foi o Bonow quem falou.

domingo, 28 de outubro de 2007

Solilóquio

De onde é que vem esta onda
Que vai rebentar logo ali,
Esta que vem e me conta
Do fim desses mares sem fim?

De onde é que vem tanta força
Que faz uma rocha vibrar
De onde é que vem esta onda
Filha das deusas do mar?

Será que é a força da lua
Que embala os meus olhos sedentos
Ou será que a espuma flutua
No mar dos meus sentimentos?

Será que vem esta onda
Deitar-se à praia por nada
Ou será que faço a minha ronda
Onde o mar faz a sua morada?

Chiaroscuro


sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Morando no Mato!


Caro leitor, você provavelmente já matou mosquito, barata ou rato na sua casa, certo? Pois eu não. Na casa que eu comprei há uns três anos não tem esses bichos.
No entanto, você já encontrou um bicho-de-pau caminhando tranqüilo na sua sala de jantar? Não sabe o que é isso? É um escaravelho, um besourão de uns 8cm, o qual quando se vai colocar para fora, ele se gruda na vassoura fazendo uns ruídos assustadores de madeira quebrada. Quando larga, fica resmungando e olhando prá gente com um tom de “Eu vou te pegar, seu FDP!”
E cobra na sala de estar, você já encontrou? Eu já!
E aranhas? Aqui tem uns quatro tipos diferentes, inclusive a aranha-marrom, aquela que se calçar um sapato com ela dentro, a gente vai parar no hospital.
Sapos (o terror da minha mulher)? Vagalumes? Caramujos? Tem de tudo.
Sabiás. Quero-queros. Bem-te-vis. Tesourinhas. Joãos-de-barro. Andorinhas. Canários da Terra. Curruíras. Pardais. A foto do beija-flor acima foi tirada da minha sacada.
Acha pouco?
Trezentas capivaras dormem aqui ao lado, atravessando a rua.
E esquilo na América do Sul, já viu? Aqui tem serelepe, sim. Tem gambá. Tem ratão. Tem preá.
E lontra brincando no rio? Eu já vi a cinqüenta metros de casa.
Tem cágado também.
Gaviões de uns 60 centímetros. Urubus. Garças de quase um metro. Marrecos migratórios. Galinhas d’água, patos e gansos com seus filhotinhos.
Você, caro leitor, pensa que minha casa é no meio da Amazônia? Sabe onde eu moro? Sob a sombra de um pinheiro de duzentos anos, em Curitiba, uma cidade de dois milhões de almas... e a dez minutos do centro!

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Aventuras (3)

Lá pelas 10 horas da manhã já havia vaga nos hotéis da cidade de Corumbá. Eu e meus novos companheiros de viagem nos instalamos para um ou dois dias antes de apanhar o trem de volta para Campo Grande, mas nossa expectativa não se confirmou.
O atendente nos informou que aquela seria a semana do navio. Que navio? Ora, o navio para Assunción...
Para turistas, existiam duas maneiras de conhecer o Pantanal por dentro, ou apanhar uma “empurradeira”, uns barcos que empurravam balsas, desconfortáveis, mas também havia um barco que partia uma vez por mês até o Paraguai. Passagem baratíssima, passeio belíssimo. Por coincidência estava chegando naquele dia à cidade e partiria dois dias depois.
Quando o navio atracou no porto, estávamos lá, uma turma enorme de aventureiros de destino incerto, apreciando. Era um navio branco, espanhol, muito maior do que esperávamos. Compramos as passagens e ganhamos o direito de dormir nos camarotes, o que lembrava aqueles filmes de aventuras nos Mares do Sul. Dormir atracado num porto é quente, fedorento e cheio de mosquitos, mas com vinte anos, tudo é festa.
Dividi o camarote de dois beliches com os dois catarinenses que eu havia conhecido uns dias antes e mais um senhor, com quase setenta anos, que tinha se aposentado como engenheiro da Petrobrás. Por recomendação médica, ele tinha que caminhar quatro quilômetros por dia e o fazia com uma velocidade que deixava a nós, os jovens, sempre correndo atrás, ofegantes.
Chegou o grande dia. Deixamos o porto e a brisa do rio nos refrescou das noites mal dormidas. Os brasileiros do navio, logo se enturmaram com os estrangeiros. Como me viro em francês, virei o tradutor naval de um canadense e uma francesa que logo estavam também cantando chorinho no convés, enquanto jacarés e tuiuius passavam logo além da amurada.
No final do dia, eu estava numa roda com os dois catarinenses e um cara de Recife. Lá pelas tantas, o assunto virou para “porradinhas”. Como inventei de falar que não sabia o que era isso, eles decidiram me batizar no próximo porto, que era Ponta Porã. O navio pararia apenas 15 minutos. Desembarcamos, entramos num bar, pedimos uma garrafa de cachaça vagabunda e umas sodas. Para quem não sabe, “porradinha” consiste em misturar soda e cachaça meio a meio, fechar a boca do copo e bater contra a coxa para espumar, bebendo em um único gole. Viramos uma garrafa e antes de perder o navio, estávamos de volta, os quatro completamente bêbados, acho que foi o único porre com “P” maiúsculo que eu tomei na vida. Só lembro de conversar enrolando a língua com a francesa sobre “l’ivresse des brésiliens”.
Naquela noite, acordei no meu beliche e percebi que o navio estava atracado. Saí para o corredor e encontrei uma camareira paraguaia me falando da fábrica de cimento que se via no horizonte, orgulho nacional. Ali foi o ponto em que a viagem começou a ficar sui generis.
No dia seguinte, o navio começou a atracar em vilarejos ao longo do rio. Como não havia porto, a operação consistia em ir se aproximando da margem, até que o navio batia e tombava com uma imensa onda que inundava todas as escotilhas abertas. Foi assim que encharcamos o chão do nosso camarote umas duas vezes até aprender. Uma vez atracados, colocavam-se tábuas e “los campesinos” subiam à bordo se equilibrando nelas.
Aquele barco era o único transporte local daquelas cidadezinhas no meio do nada que surgiam a nossa proa. Já no segundo dia, o convés superior virou uma feira livre. Os paraguaios subiam à bordo com objetos insólitos, como cabeças de boi descarnados e toda a sorte de bugigangas e as vendiam, ali mesmo.
Ah, tinha mais um detalhe. À bordo ainda havia uma excursão de argentinos, de Buenos Aires, que pensavam que estavam num transatlântico da década de 20. À noite, faziam bailes no salão de festas, com damas usando luvas de cetim. Dentre aquela pobreza toda, lá pelas tantas se ouvia pelo auto-falante do navio: “Ahora vamos empezar la... caza al tesoro!” E la nave va...
Depois de muitas povoações perdidas, muitas tsunamis, muitos soldados adolescentes com espingardas de caça e descalços e muitos Generais Stroessneres, pois eram anos de chumbo por lá e tudo se chamava com o nome do ditador, chegamos à Concepción, a maior cidade do interior paraguaio.
Cidadezinha de estilo espanhol, deserta, economia estagnada, que fazia o Brasil parecer uma potência nacional. Foi lá que vi um cinema ao ar livre. Acho que deve ter sido um dos últimos das Américas, proveniente de um tempo que não volta mais.
Tudo transcorreu normalmente naqueles dias. Perdidos entre já velhos amigos que havíamos ali conhecido, sentados em frente à ponte e cantando acompanhados de um violão providencial que não sei quem trouxera, abanávamos para todos os navios que passavam no sentido contrário. Jovens inconseqüentes, vendo passar um rio belíssimo com margens distantes e grandiosos entardeceres.
Três dias depois de Corumbá, chegamos à Assunción que me pareceu, assim, vista distante, com a minha tão conhecida Porto Alegre, quando a enxergava de pescarias, lá da Ilha do União.
Algo havia mudado. Ao desembarcar e desembaraçar-me da alfândega, fiquei com uma daquelas sensações de que o tempo havia se cristalizado dentro de mim de uma forma bela e positiva.
Nunca antes e nem nunca mais depois fiz uma viagem tão estranha e, por incrível que pareça, tão maravilhosa.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

A Virgem das Rochas

A Virgem (ou Madona) das Rochas são dois painéis pintados por Leonardo em Milão por volta da virada do século XV para o XVI, como uma encomenda de um convento. As freiras solicitaram que nele aparecessem os bebês Jesus e João Batista, a Virgem Maria e o anjo Uriel. Ele pintou o da esquerda, que atualmente está no museu do Louvre, mas suas clientes não aprovaram, daí, ele pintou o da direita, que está na National Gallery, de Londres.
Volta e meia vejo uma explicação sobre os quadros do Da Vinci que voltaram à moda com o livro do Dan Brown. Eu tenho uma explicação bem original que eu ainda não vi nenhum estudioso de pintura citar. Penso que “A Virgem das Rochas” é uma obra contra o maniqueísmo católico.
Caro leitor, acompanhe o meu raciocínio.
No quadro existem duas figuras inumanas, dois bebês grotescos que representam dois faunos, representações medievais do demônio. O fauno que é abraçado pela mulher em que quase se consegue visualizar uma cauda, faz um gesto de louvação ao outro fauno, que lhe responde com o mesmo gesto de bênção que o papa costuma fazer.
Na Idade Média, este gesto representava uma exortação ao demônio, pois quando projetado sob uma luz em uma parede gera imagem de uma figura demoníaca (não fui eu quem inventou isso, naquela época se pensava assim!).
Por outro lado, o fauno-João tem uma expressão mais delicada, enquanto o fauno-Jesus, sentado, é mais diabólico. Essa nuança é mais perceptível na versão mais recente da pintura (a da direita).
Muitos estudiosos dizem que a única diferença significativa entre os dois quadros é o fato de o anjo apontar no primeiro. No entanto, isso muda o sentido. No primeiro painel, o ser celestial aponta o mal e olha para o bem. No segundo, não enxerga nenhum dos dois, está com o olhar perdido no infinito, ou seja, no primeiro, ele mostra o “caminho do mal”, tendo em vista o bem e no segundo não se importa nem com o bem, nem com o mal.
A Madona é a única figura humana. Ela abraça o mal e afaga o bem, ou melhor, manipula o bem, como se fosse uma manipuladora de um marionete. Com o seu peculiar olhar davinciano não se pode afirmar se ela olha para o bem ou para o mal.
Nós, humanos, temos o mal e o bem nas nossas mãos, as forças celestes não se importam com o caminho que escolhemos. Um está contido no outro, o bem venera o mal e o mal venera o bem.
Se foi isso mesmo que Da Vinci quis dizer, isso nunca saberemos, mas convenhamos, que minha análise faz sentido, isso faz.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

CPMF

A CPMF deve acabar? Aumentar? Diminuir?
O que eu acho mais incrível disso tudo e que diariamente assistimos na TV é que ninguém sequer cogita em mudar o paradigma: reduzir os gastos públicos, não seria uma melhor solução?
Impossível? Sim, conforme o nosso presidente, na verdade precisamos aumentá-los! Até onde? Até que ponto?
Precisamos mais médicos, e mais bem remunerados, para o atendimento do SUS? Precisamos, sim, vemos todo dia isso no noticiário da TV, mas não é disso que estamos falando. Se todos os servidores fossem concursados, estaríamos discutindo apenas a eficiência da administração pública, o que, supõe-se, pelo menos em teoria, seria eficientíssima, pois teríamos escolhido os melhores representantes da nossa sociedade para nos administrarem, mas acontece que não é assim.
Os que coordenam todo o jogo do poder cada vez aumentam mais a máquina pública para conseguir instalar ali os seus apadrinhados e são essas as estruturas que estão comprometidas. Muitas agências reguladoras, muitas ONGs, muitas empresas públicas e de economia mista que são geridas, não por cargos de carreira, mas por comparsas políticos, aí é que está o maior dos problemas.
E quem paga por tudo? A população, é claro. O estado brasileiro não conseguirá sobreviver sem a CPMF? Façamos mais conluios! Inventemos mais um cabide de empregos desnecessários!
Ninguém agüenta mais pagar? Então enganemos as classes menos favorecidas: digamos que eles não irão arcar com o imposto se ganharem menos de 1700 reais! É claro que ninguém diz que a CPMF está embutida em cada pacote de margarina e em cada pão vendido e com a queda da arrecadação, fatalmente ela irá aumentar, gerando maior custo, principalmente para os mais pobres.
Não sobreviveremos sem extorquir da população? Quem não sobreviverá, o Estado brasileiro ou os que desfrutam das benesses desse estado de coisas?

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Liberdade de Expressão

Existe um blog que eu leio, respeito e recomendo, o Leite de Pato , mas no dia 17 de outubro passado, foi publicada uma postagem que eu gostaria de comentar. Chamava-se “Jurisprudência” e, citando Reinaldo Azevedo, comentava de que nem todos os assuntos devem ser tolerados, que a liberdade de expressão tem limites.
Por exemplo, deveriam ser tolerados assuntos como “nazismo, torturas da ditadura militar, pegas, pedofilia, necrofilia, avanço do sinal, espancamento de mulheres, espancamento de homossexuais, atentados terroristas, corrupção, assassinato de religiosos e jogar bebê no lixo”?
Muitos leitores com suas mentes latinas vão me achar um monstro, mas eu acho que deveriam ser tolerados, sim. É o tipo da lei que precisaria ter eficácia limitada, ou seja, ser definido o que não se pode falar e fim (e as únicas coisas censuráveis que me ocorrem são instruções sobre a fabricação caseira de bombas e armamentos, além de técnicas de sabotagem, que aliás nem foram temas falados no texto).
Não penso que falar seja a mesma coisa que fazer.
Condecorar e promover o Lamarca, por exemplo, não seria apologia ao levante à mão armada contra o Estado brasileiro? Artigo 5o, parágrafo XLIV da Constituição Federal, crime imprescritível e inafiançável.
Antes de bater contra o pessoal do PT, vamos pensar bem: daí teríamos que censurar Machiavel, pois ele fala da mesma coisa, tomar o poder à força. E MacBeth, de Shakespeare, também expressa de como chegar ao poder por meio de crimes.
E será que se deveria censurar “Lolita”, de Vladmir Nabokov, um dos melhores livros da história da humanidade, pois fala do relacionamento entre um homem maduro e uma adolescente de 13 anos? E “O Amante”, de Marguerite Duras, que fala da mesma coisa, deve ser censurado? Pedofilia pura!
E Édipo Rei? Sófocles fala sobre o assassinado do pai e o incesto com a mãe. Não deveria ser um tema proibido? E Electra, que planeja matar o pai? E o tio de Antígona que faz apologia a deixar cadáveres sem sepultamento? E Agamenon, que mata a filha Ifigênia em um ritual religioso pagão? Em outras palavras, tragédia grega deveria ser censurada?
E cinema hollywoodiano? Deveria se tolerar que as pessoas promovessem a prática da justiça com as próprias mãos? Chuck Norris, Schwartzneger e Stalone, nem pensar, certo?
Matar árabes é racismo. Censuremos “O Estrangeiro”, de Camus! Shakespeare é duro com os judeus: censura nele!
Jacó subornou o irmão com um prato de comida. Depois pintou as ovelhas de Labão para que passassem a ser suas, roubo puro e simples. Lot transou com as duas filhas. Jesus surrava vendedores, fazia justiça com as próprias mãos, portanto: censuremos a Bíblia!
Mas onde iremos parar se deixarmos cada um falar o que quer? Nuns Estados Unidos, numas Holandas, Dinamarcas, Suécias... não acho nada mal, não! Ou será que são preferíveis umas Cubas e uns Irãs?
O que acontece se acabarmos com a liberdade de expressão? O Bonow está defendendo os que defendem crimes. Censuremos o Bonowblog!
Dá para entender por que sou contra a censura? Se começarmos a adentrar muito nessa linha, daqui a pouco vai sobrar para a gente e logo não poderemos falar mais nada.



domingo, 21 de outubro de 2007

A Paixão

Será que a paixão é um momento,
Só chuva correndo na calha,
Não mais que rajada de vento,
Não mais que um fogo de palha?

Será que a paixão é um instante
No raiar da minha madrugada,
Que mesmo fátuo, fugaz, inconstante,
Se impõe para que luz me invada?

Será que o que eu sinto é sólido,
É a visão de um dólmen de aço,
Ou será que apanhou-me esse bólido
E vai-se ir, deixando-me em pedaços?

sábado, 20 de outubro de 2007

Post do Dia

Blogueiros estão sempre procurando por posts. Aqui vai mais um...

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

O Belo

Há quem diga que a beleza está nos olhos de quem vê, mas eu penso diferente. Depende.
A maioria da literatura divide a beleza em dois tipos, a beleza natural (um pôr-do-sol, um rosto, uma praia...) e a beleza artística: um quadro, uma escultura, etc. Alguns autores inclusive para diferenciar o belo artístico, escrevem-no com B maiúsculo.
Na minha experiência como designer, eu descobri que existem três tipos de beleza, não dois.
Na primeira acepção do termo, “belo” é sinônimo de harmonia, proporcionalidade, equilíbrio. Uma mulher bela o é porque possui uma certa harmonia de formas.
O mesmo não acontece com o fenômeno artístico. Belo aqui passa a ser sinônimo de expressividade. Uma aula de anatomia pode ser de uma beleza artística extrema, mas não o é no sentido de harmonia. A representação de um fuzilamento. Uma batalha naval. Uma balsa cheia de náufragos. O belo artístico nem sempre é harmônico, proporcional, equilibrado.
A confusão começa quando as pessoas não percebem que existe uma terceira via, a do “Belo Comercial”, termo inventado por mim. Do meu ponto de vista, arquitetura e design não são artes no sentido estrito do termo, não pertencem ao mesmo universo de uma escultura, por exemplo.
Esses tipos de beleza podem, sim, ser mensurados. Eu criei um método que pode ser lido neste livro A Empresa Sublime que permite colocar dois objetos similares lado a lado e definir qual é o mais belo, ou seja, aquele que muito provavelmente irá atrair mais consumidores ou vender mais.
O processo é longo para o design de produto, mas em design gráfico, que lida com elementos mais simples, é fácil de compreender: apanhe dois anúncios de uma revista. 1, qual tem mais contraste? 2, em qual os elementos estão mais bem agrupados em ordem de importância? 3, em qual deles o conjunto está mais bem alinhado, uns elementos visuais com os outros? 4, em qual existe uma repetição de elementos para criar uma linguagem própria? 5, os tipos de letras estão organizados corretamente? Essas cinco respostas nos trazem muito mais informação do que um simples gosto-não gosto.
Portanto, que não venham me dizer que o belo é um desfrute privado. Depende. Se for para ganhar dinheiro com um produto, um elemento gráfico ou uma construção, a beleza estará no cérebro de quem analisa e no bolso de quem a compra. Jamais nos olhos de quem a vê.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Duplo Etérico e Aura

Lembram que em outra postagem eu falei rapidamente que é muito fácil de se ver o duplo etérico?
Para quem não sabe, é um dos chamados corpos sutis, que se verifica ao fazer técnicas de transcendência, como yoga ou projeções. Existem pessoas que conseguem ver a aura, uma nuvem colorida que existe ao redor das pessoas. O duplo etérico é como uma fumacinha branca brilhante.
A primeira vez que eu observei, estava numa aula de faculdade, já cansado, tarde da noite, com a turma sentada em círculo. As paredes eram escuras e lá pelas tantas, observei que ao redor da cabeça da professora havia uma nuvem. Para minha surpresa, olhei para os demais colegas e cada um tinha uma nuvem diferente: uma era brilhante, rente ao couro cabeludo, outra longa, cônica, de uns 40 cm, outra brilhante próximo à cabeça e mais fraca mais distante, enfim, para cada pessoa era com uma forma e intensidade diferente.
Claro que não falei para ninguém para não ser taxado de louco. Nos dias seguintes, especulei que seria uma ilusão de ótica. Observei que não era, pois não se pode ver essa “aura” ao redor de objetos. Almofadas, por exemplo, não exalam essa energia.
Ficou por isso mesmo, por muitos anos, apenas uma curiosidade. De vez em quando, eu surpreendo grupos de amigos em festas com essa história e ensino as pessoas a também enxergar. É simples, basta colocar outra pessoa sentada em frente a uma parede lisa, de preferência com luz baixa ou fraca, e observar atentamente, tentando ver de frente, utilizando a visão periférica, ou seja, olhando de frente, mas focando nas laterais. A surpresa das pessoas é muito divertida: “Tô vendo! Tô vendo!” é a reação normal. Em uns cinco minutos de treinamento, consigo surpreender os amigos com uma coisa “do outro mundo” que a maioria das pessoas nunca pensou sequer que existisse.
Anos depois é que descobri que isso se chama Duplo Etérico (ou duplo etéreo), é uma emanação energética do nosso corpo.
Eu falei em aura, mas existe uma confusão de termos por aí. O termo médico da palavra se refere a pontinhos, luzes brilhantes que as pessoas enxergam quando têm uma indisposição qualquer, uma enxaqueca forte, por exemplo. Eu já vi isso algumas vezes, sempre relacionado a problemas de estômago, mas duas amigas que não se conhecem já me relataram que conseguem ver luzes, bolinhas coloridas, como milhares de vaga-lumes, em ambientes abertos, principalmente à beira do mar, em situação normal, saudáveis. Elas chamam isso de prana. Relatam inclusive que conseguem “aspirar” essas luzinhas.
Apesar de prana ser uma expressão coloquial do yoga, eu nunca consegui visualizar, mas a descrição delas bate com a da literatura esotérica. Se alguém souber uma técnica para ver isso, que me ensine, deve ser bonito...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Histórias Bizarras (7) – Dimensões, parte 2

Charles Howard Hinton era um matemático inglês obcecado pela quarta dimensão. Tanto, que criou um modelo para explicar porque não conseguíamos compreender o hipercubo (veja a parte 1 deste texto logo abaixo neste blog).
Imaginemos, dizia ele, um mundo de seres inteligentes de apenas duas dimensões, como numa folha de papel. Imaginemos ainda que um ser de três dimensões, como nós, quisesse mostrar para esses seres o mundo em que vivemos: apanharíamos um objeto tridimensional, uma maçã, por exemplo e passaríamos pelo plano. Os seres de duas dimensões presenciariam um fato estranho, aparentemente do nada surgiria uma forma que cresceria até um tamanho máximo e depois diminuiria até desaparecer. Em duas dimensões não haveria como dizer que a maçã veio “de cima”, pois essa dimensão seria inconcebível para estes seres inferiores.
Esta comparação era usada no final do século XIX para provar a existência dos espíritos. Místicos ficavam meditando na figura de teseratos, esperando com isso conseguir compreender e adentrar na quarta dimensão, local onde supostamente viveriam seres superiores a nós, mas nada foi comprovado.

Além do hipercubo e dos fractais, podemos abordar universos polidimensionais por um outro escopo, o das formas.
Uma outra figura interessante nesse sentido é a tira de Möbius. É fácil de construirmos. Pega-se uma longa tira de papel, forma-se um círculo e na hora de colar as pontas, inverte-se uma delas, conforme pode ser visto nesta gravura de Escher.



Tudo na natureza tem o lado da frente e o lado de trás. O estranho desta figura é que só tem uma face infinita. Uma formiga caminhando na superfície dará duas voltas na tira e voltará para o mesmo local em que partiu, ela nunca estará “por fora” e nem “por dentro” do círculo, o que nos faz pensar se essas palavras não seriam ilusões da nossa mente.
E o que acontecerá se cortarmos a tira de Möbius pelo centro?





Estranhamente, ela ficará apenas uma tira mais longa, com duas voltas ao invés de uma.
E se cortarmos de novo?



Surpresa! Ela se dividirá em duas tiras entrelaçadas.

Quando falamos em outras dimensões, podemos afirmar que elas não interferem nas nossas maneiras conhecidas de ver o mundo apenas em formas, mas também em tamanho. Apanhe uma bola, uma cela de cavalos e uma folha de papel.
A folha de papel é plana. A bola é curvada para dentro de si mesma. A cela é curvada para fora. Como podemos ter tanta certeza?
Ao embrulharmos a bola com o papel, o papel forma rugas, isto é, ele sobra. Portanto, a superfície plana é maior do que a superfície da bola.
Ao tentarmos enrolar a cela com o mesmo papel, o papel se rasgará. A superfície curvada para fora é maior do que a superfície plana.
Dá para entender esse ponto de vista? Não é uma questão de áreas de superfície, podemos ter a mesma área de papel e mesmo assim um será neutro, o outro será negativo e um terceiro positivo. Como isso poderia acontecer se o nosso mundo fosse feito de uma contagem métrica contínua?
Interessante, não?
São coisas para pensar. Ou melhor, é bom nem pensar muito...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Aventuras (2)

Viajei durante a madrugada de Cuiabá para Campo Grande e pela manhã o ônibus parou numa cidadezinha do interior. Desci na lanchonete da rodoviária, onde havia mantas de carne penduradas em ganchos. Carne seca e carne fresca, cheias de moscas.
Pedi um sanduíche. Não tinha. Pedi um pão com manteiga. Não tinha. Pedi um café com leite. Não tinha. Pedi um copo de leite e... não tinha. Voltei para o meu assento.
Como o dia já havia amanhecido, observei que dentre os passageiros tinham dois mochileiros com caras de alemães, bebendo água num cantil todo esquisito. “Devem ser europeus, vou treinar meu inglês”, pensei. Fui falar com eles, mas eram uns catarinas, de Florianópolis. Acabamos fazendo amizade, eles estavam indo, como eu, tomar o trem do Pantanal, em direção à Corumbá, na fronteira com a Bolívia.
Por sorte, o trem estava mais de uma hora atrasado, de modo que conseguimos bilhete para o mesmo dia. Pela quantidade de pessoas na estação, percebemos que seria duro de conseguir lugar. Acertamos para que dois de nós fossem para dentro do trem enquanto o outro ficasse fora para passar as sacolas pela janela e assim conseguimos pelo menos dois lugares para os três.
As próximas onze horas naquele trem lotado formaram uma experiência terrível, cheguei em Corumbá com o maxilar doendo. É que ao meu lado sentou um gago que insistia em puxar papo. Depois de cinco minutos, não é mais possível ter uma conversa normal, vem à mente todos os programas humorísticos que já se viu na vida e o pior, não se pode rir, é preciso manter a empáfia para não ofender. Onze horas querendo gargalhar e não podendo é uma experiência que não aconselho para ninguém.
A melhor parte da viagem, perdemos. Como o trem estava muito atrasado, não vimos o Pantanal Matogrossense, passou à noite. Para piorar o dia de infortúnios, tarde da noite não havia mais vagas nos hotéis da cidade. Andamos por tudo, e nada. Como naquela altura já tínhamos conhecido um monte de turistas, e todos estavam com o mesmo problema, resolvemos procurar um local para dormir. Eu e os catarinas dormimos num depósito que um vigia ofereceu quando viu o nosso cansaço.
Tivemos que acordar cedo, antes de começar o expediente. Enrolamos os sacos-de-dormir, caminhamos um pouco para conhecer Corumbá e logo já havíamos encontrado os outros companheiros de viagem. Uns tinham sido explorados e pago um preço exorbitante para dormir numa pensão vagabunda, depois de perambular por toda a cidade. Outros encararam o coreto da praça mesmo.
O nascer do sol foi dos mais bonitos que eu já vi na vida. Eu e meus companheiros de estrada comemos alguns sanduíches contemplando o Rio Paraná, com pequenos barcos passando ao largo. Logo nos falaram de uma lanchonete que tinha por especialidade umas coalhadas maravilhosas. Não sei se era efeito de uma noite mal dormida, mas que café-da-manhã, a coalhada fazia jus à propaganda de boca! Antes do meio-dia já tínhamos conseguido vaga num hotelzinho simples e aconchegante, mas só ficamos uma noite, pois descobrimos que dali a três dias sairia um navio até Assunción del Paraguay.
Só que daí já é uma outra história...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A Arte que Está Faltando


O que Shakespeare está fazendo quando fala da Inglaterra elisabetana, dizendo que há algo podre no reino da Dinamarca? E Goya, quando pinta os seus reis com caras de bocós? O que há de diferente na verdadeira arte?
Vamos estabelecer três diferenças de conceitos:
1. Aquela arte proposta por Platão em que o fenômeno artístico era sinônimo de simulacro. A verdadeira arte seria aquela que melhor retrata a realidade;
2. A arte da dialética, que tem por única função o caráter didático, mais especificamente o de convencer o espectador a pensar como o artista, ou seja, a arte da lavagem cerebral;
3. “A arte que está faltando”. Aliás, não está faltando, não, mas é feita por poucos. A arte em que o sentido não está associado à forma, a arte que diz uma coisa, querendo dizer outra e se prestando a uma miríade de interpretações, mas não aquela do seu próprio sentido. A boa arte é de todos os tempos, é sempre conotativa.
Na arte platônica, temos uma arte em que A=A. Na arte hegeliana, chamemos assim as incursões dialéticas, A= não B. Na verdadeira arte, A é diferente de A.
Para Platão, arte era demonstração. Para os dialéticos, já assumia um caráter didático, mas arte que está faltando pressupõe conhecimento, assume que o espectador é inteligente, isto é, interage e não apenas assiste ou absorve. Tentou-se substituir a arte da elite pela arte do operariado ou do campesinato, mas a verdadeira arte é do indivíduo médio, daquele que tem discernimento dos fatos e transita nos dois extremos sociais, sem se apegar a qualquer.
A arte precisa ser transformável, não fixa ou mutável. Qual é a diferença? É aquela que se presta para todos, em todos os tempos. Fra Angélico servia a um senhor, a Igreja Católica. Brecht servia ao partido comunista. Shakespeare ou Da Vinci servem a qualquer tempo e qualquer país, não podem ser datados ou restritos a uma geografia. Por quê? Simples: não simplesmente porque são universais, ou clássicos, mas porque seguem a formulação permanente da arte que é a de falar nas entrelinhas. A explicitação assassina o fenômeno artístico, ora para reproduzir a realidade, ora para tentar influenciar o espectador, nenhuma maneira funciona a contento.
A primeira forma mostra um mundo construído, com sentimentos transbordantes. A maneira da dialética, mostra um mundo idealizado, a construir ou construído à partir de um certo ponto de vista, de uma pseudo-racionalidade. A verdadeira arte, essa que está faltando, simplesmente mostra um mundo prático, oriundo da observação e que se revitaliza a cada olhar.
Tanto a arte dos dialéticos, quanto a dos platônicos nos trazem uma visão moral de mundo. A verdadeira arte, é amoral. Enquanto uma afirma e outra nega, a verdadeira arte apenas constata, aponta, salienta. Torna nítido aquilo que tem tudo para ser velado.
Os platônicos e os hegelianos propõem os seus eternos discursos denotativos, tentando impor suas verdades por suas palavras que eles pensam ser as definitivas. Um liga texto ou imagem ao sentido. Outro opõe o texto ou a imagem ao sentido. Na verdadeira arte, aquilo que é mostrado não tem nada a ver com o sentido, o que é, nunca é o que aparece.
Nem a emoção, nem a razão. A verdadeira arte, aquela que realmente liberta o espectador, é a arte da vontade.

domingo, 14 de outubro de 2007

Prismática

Existem poemas em cor-de-rosa,
Existem poemas dourados,
Há também poemas das terras,
Poemas verdes como a esperança
Que é o prelúdio do mau agouro.
Existem poemas do 'blue' mais azul
E do vermelho mais encarnado,
Mas o meu poema é cinza.
O meu poema é preto no branco.

sábado, 13 de outubro de 2007

Época das Framboesas

Está chegando a época das framboesas aqui em casa.
Tirei esta foto no ano passado, espero que se repita a safra.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Como ser bom de cama?

Muitos me perguntam como eu consigo dormir tão facilmente. Já dormi no banho de chuveiro, já dormi com as pernas apoiadas em uma parede, em um ônibus saindo de Porto Alegre e acordando em São Paulo, enfim, acho que me qualifico quase como um mestre do travesseiro e por isso posso passar algumas dicas sobre sono.
Em primeiro lugar, é preciso manter o alto astral do local em que se dorme. Prefiro essa palavra, astral, mesmo, no sentido popular, pois com ela se infere que não se deve dormir em locais cheios de mosquitos, com fumaça, muito frio, com pedaços de pizza velhos, ruído, etc. Em esoteriquês, fala-se em manter a “egrégora” do quarto de dormir, mas como esse vocábulo não tem nem na minha versão do Aurélio, além de dar uma idéia meio religiosa, prefiro não usar.
Para dormir, basicamente a gente se deita na posição preferida e fica quieto. Quieto, quer dizer parado, sem mexer um só músculo. Daí começa a dar coceira, agüenta-se. Fica uma dobrinha de roupa incomodando: agüenta-se. A mão ficou numa posição incômoda, esquece. Cada vez que ocorre um movimento, por qualquer motivo, tem que começar de novo.
Duas dicas de relaxamento: (1) imagina-se estar em um grande elevador. O elevador começa a subir de modo que nos sentimos pesados, muito pesados. Depois de um tempo, o cabo se rompe e o elevador começa a cair e nos sentimos flutuando. (2) Escolhe-se uma posição. Começa-se a imaginar cada parte do corpo relaxando, começando no dedo do pé, terminando no couro cabeludo. Quando se tiver comandado todo o corpo para relaxar, troca-se de posição e começa-se de novo. Repetir três relaxamentos.
Pois bem, daí vem a melhor parte. Quando se está bem parado, o sono começa a vir, só que nem sempre a pessoa está cansada o suficiente para apagar. Às vezes, o corpo dorme e a mente permanece acordada, com o mesmo estado de atenção deste momento em que se está lendo essas linhas. Quando e como saber que você não apagou e que passou da linha normal de relaxamento para o estado de adormecer o corpo sem adormecer a mente?
Para mim, eu sinto algo que é relatado por milhares de pessoas, o chamado “EV”, estado vibratório, uma sensação parecida com a de estar deitado numa daquelas cadeiras de massagens, por uns 10 segundos. Há quem diga que sente uns estalos no crânio neste estado, mas eu nunca ouvi. Quando se sente o EV, significa que o corpo está quase dormindo. Daí é só esperar um ou dois minutos com a consciência desperta para que ocorra uma das coisas mais divertidas que se pode fazer na vida e que se faz todas as noites, mas que muitos poucos se lembram.
Calmamente, pois se for muito rápido voltará a acordar o corpo, tenta-se erguer o braço sem mexer o corpo. Pode-se simplesmente se erguer ou rolar para fora do corpo com um segundo corpo, um corpo que só existe no sonho.
Independente de ser real ou não, é sensacional (ainda vou escrever sobre isso, aguardem), eu, na minha pouca prática, acredito que seja uma mera alucinação. Você, leitor já sonhou que estava voando? Pois é, se você estiver lúcido irá vivenciar esse vôo e poderá conduzir o seu sonho ao seu bel-prazer, tente que funciona. Tem um monte de gente nessa situação que acredita estar voando de verdade e que se encontra com pessoas mortas e viaja para outros planetas, mas daí já é especulação sobre os efeitos da nossa mente. O fato é que isso acontece mais ou menos de uma forma padrão, todos que chegaram aqui relatam experiências com elementos semelhantes, ainda que diversas para cada um. E quando se consegue, percebe-se que é a coisa mais natural do mundo, todo mundo faz isso todas as noites, o difícil não é conseguir fazer, mas lembrar na manhã seguinte por onde andou.
Existem ainda dois tipos de sonho lúcido, a projeção, onde se anda pelo mundo dos sonhos ligado por um fio prateado ao corpo que dorme e outro em que não percebemos o corpo dormindo, como se estivéssemos em um outro mundo, vemos a cama vazia em baixo de nós.
Depois de acordar, se lembrar do sonho, anote, pois é o método para lembrar cada vez mais.
Acredite que isso acontece assim. Milhares, senão milhões, de pessoas em pleno uso de suas faculdades mentais já relataram experiências similares. Independente do seu sistema de crenças, qualquer hora dessas tente adormecer o corpo, mantendo a mente desperta, pois vale a pena. Um sonho lúcido é muito, mas muito mais divertido do que ir ao cinema.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Resposta ao Cleverson

Terça-feira, um leitor aqui do Bonowblog, o Cleverson, fez uma pergunta sobre o texto em que eu falo sobre dimensões matemáticas e eu achei que esta resposta mereceria uma postagem própria.
Muito bem, ele perguntou se eu achava que, pelo fato de matematicamente ser possível provar que existem outras dimensões, seria possível que algo de nós sobreviva após a morte.
Cleverson, claro que tudo que eu afirmar será na base do chutômetro, pois nunca morri, mas como há milhões de religiosos ganhando muita grana com a ingenuidade alheia, não deve ser muito imoral eu especular sobre o que eu não sei patavinas. Vamos ao que eu acho: isso é, nada de científico, certo ou absoluto, combinado? Outra coisa, estou despejando aqui uns 30 anos de minhas elucubrações nesse sentido, portanto, leitores, leiam antes o texto de terça-feira (Histórias Bizarras 6 – Dimensões, Parte 1) e o texto “Inteologia” logo mais abaixo também para não cair, assim, tão de sopetão nessas idéias. Aconselho também a dar uma procurada no Google ou na Wikipedia em “fractais”, quem não souber do que estou falando.
Em primeiro lugar, do meu ponto de vista a palavra “dimensão” é algo matemático, para definir distâncias. Como eu já disse no texto, existe mono, bi e tridimensionalidade. E tetra e poli dimensionalidade também. Só que isso não quer dizer que essa definição se aplique às coisas da percepção cerebral.
Quando um yogui fala que consegue perceber o seu duplo etérico (eu consigo fazer isso, é fácil pacas, uma hora dessas eu ensino aos meus leitores), não tem nada a ver com física quântica ou fractais aplicados à computação gráfica. Dimensões para um inteogenista, significam níveis conscienciais, penso que isso não é o mesmo que para um matemático. Em outras palavras, cérebro é uma coisa, o mundo físico, outra.
Uma coisa de filosofia oriental barata que devemos levar em consideração é que talvez não seja o mundo físico que cria a nossa consciência, mas a nossa consciência que cria o mundo físico. Exemplo prático: não é possível estar em dois locais ao mesmo tempo, dentro do meu computador, cada informação, ou é “um” ou é “zero”, certo? Sim e não. Os cientistas estão abrindo caminho para um computador quântico que ao mesmo tempo será “um” e “um” e “zero”. Eu não me surpreenderia que daqui a trezentos anos existissem cruzamentos de ruas em que os carros passassem uns pelos outros como em filmes sobrepostos, sem sinal verde ou vermelho, mas semáforos quânticos, dois corpos ocupando o mesmo lugar ao mesmo tempo. Por que não? É possível, sim, tecnologia evolui, apesar de ser incompreensível para nós, comuns dos mortais que não estudam física quântica.
Se criamos nosso mundo, talvez nosso cérebro possa criar um mundo polidimensional também. Vejam, queridos leitores, Um mundo polidimensional não será um mundo com fractais coloridos e hipercubos, não é isso que estou dizendo, da mesma maneira que não nos deparamos com cubos e octaedros andando pela rua, essas são criações humanas, geométricas, matemáticas. O mundo real é muitíssimo mais rico do que isso. Criar uma equação matemática que represente uma simples folha já é coisa para gênio da matemática, o que se dirá de uma paisagem?
Portanto, talvez aumentando a nossa percepção do mundo possamos nos transportar, não para um mundo de geometria, de matemática, polidimensional, mas de polidimensionalidade de fato que vai parecer complexo como o nosso, mas com leis de física completamente diferentes. E não esqueçamos que iremos para esse mundo com o mesmo “hardware” para sobreviver em um mundo apenas tridimensional, isso é, seremos cegos, surdos, mudos, sem tato e sem paladar, umas verdadeiras amebas polidimensionais.
Se é isso que acontece depois da morte? Não creio.
Talvez lendo este blog, muitos pensem que sou espírita, mas não acho que nenhuma religião esteja certa. Prefiro Shakespeare a Kardek, há muito mais por aí do que sonha nossa vã filosofia.
Cleverson e demais leitores, não esgotei o assunto e devo ter deixado mais dúvidas ainda do que quando comecei a explicar, mas volto logo ao tema, prometo. Temos muito pano prá manga.
Infelizmente, não tenho a resposta última para o sentido da existência. Os padres, os pastores, os dervixes, os bonzos e os rabinos, dizem que têm, mas cobram uma grana para revelar...


quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Aretê

Se procurarmos nos dicionários, aretologia é o ramo do conhecimento humano que estuda a virtude. E como ser um indivíduo virtuoso?
A palavra aretê para um antigo grego tinha um significado diverso daquele que se seguiu. Pode melhor ser definida como a capacidade de se ser virtuoso em tudo.
Aquilo que nós chamamos de “virtuose” do piano, para aquele povo não passava da definição de um escravo, pois para que alguém consiga o grau de perfeição de um grande músico, significa que ele abriu mão de se aprimorar em milhões de atividades que a vida oferece e isso não seria a ação correta de um cidadão livre.
Será que eles não estavam certos? Leonardo da Vinci, conforme essa definição seria um homem de aretê, pois era um gênio inventor, um excelente pintor, cientista e pesquisador. Isaac Newton seria outro exemplo: ele construía pontes, escrevia sobre fantasmas, inventou o cálculo diferencial e fundamentos da física que perduraram até o final do século XIX. O motivo pelo qual isso ocorre é simples. Quanto mais coisas variadas se conhece, mais se consegue relacionar umas coisas às outras, o que é o fundamento do pensamento criativo .
Por que esse tipo de gente não é valorizada até hoje, apesar do senso comum os considerar como pessoas extremamente importantes à humanidade? Como tudo começou a mudar?
A virtude da generalidade acabou no momento em que surgiu a revolução industrial. A partir daí, não era mais necessário que se soubesse de tudo em uma fábrica, apenas apertar um único parafuso, durante toda a vida, bem no estilo Carlitos, no Tempos Modernos.
No entanto, os tempos ficaram mais modernos ainda e só poucos empresários perceberam que aretê voltou a ter valor. É o que mais se vê nas revistas de gerência de pessoal, é preciso escolher pessoas versáteis, criativas, mas não é isso que acontece na maior parte dos casos, principalmente junto ao empresariado brasileiro. A maioria prefere apenas os velhos paus-mandados.
Sem pessoas de aretê, uma empresa não consegue quebrar paradigmas e sem os quebrar, não conseguirá mudar e vencer os concorrentes. Aretê é dinheiro, e mais a cada dia que passa no nosso mundo de transformações constantes e rápidas.
Assim, pense nisso quando estiver numa posição de chefia e for contratar um novo funcionário. Ele toca algum instrumento? Ele salta de pára-quedas? Ele sabe costurar a barra das calças? Conhece de jardinagem? Depois de perguntar essas coisas, daí sim, comece a perguntar sobre o cargo que ele vai exercer. O de aretê será sempre melhor do que os demais.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Histórias Bizarras 6 – Dimensões, parte 1



Na geometria descritiva, a equação y=x representa uma linha reta, isto é, para cada valor de y, corresponde um valor de x. Uma linha reta é uma figura de apenas uma dimensão: comprimento.
y=x2 é uma parábola, uma figura que só pode ser representada em duas dimensões: comprimento e altura.
y=x3 é uma figura geométrica chamada de “parabolóide de revolução”, que é a forma aproximada de uma peteca, isto é só pode ser representada em três dimensões: comprimento, altura e profundidade.
O mundo seria um local muito simples se não existisse a equação y=x4. Xis na quarta potência representa um parabolóide de 4 dimensões. Existem ainda 5, 10, 100, infinitas dimensões físicas. Existem dimensões fracionárias também y=x7,6, por exemplo.
Somos seres tridimensionais. Não podemos perceber dimensões superiores a terceira, ainda que isso não seja uma tarefa totalmente impossível para o nosso cérebro. Relata-se que alguns indivíduos altamente treinados, como yogues e químicos altamente especializados conseguem “ver” em quatro dimensões: ao olhar para a face de um modelo de uma determinada molécula, é possível enxergar, e compreender, as ligações atômicas que estão por trás. Drogas alucinógenas também possibilitam esse efeito.
Ainda que as pessoas comuns não consigam perceber as outras dimensões, estas existem e podem ser matematicamente manipuladas. E não estão apenas no campo das idéias, ou melhor, talvez estejam justamente na fronteira entre o mundo palpável e o mundo das idéias.
Uma perspectiva é a representação de uma figura de três dimensões, em duas. Uma fotografia impressa no papel plano retira a profundidade da imagem, ainda que tenhamos uma boa idéia do que era o objeto real. Da mesma forma, é possível desenhar perspectivas de objetos de múltiplas dimensões, o que se tornou tarefa simples com o advento da computação gráfica. As “perspectivas” polidimensionais, ou seja desenhos na tela do computador de figuras criadas por equações de mais de três dimensões se chamam fractais.
Um fractal interessante e que pode ser desenhado à mão é o chamado hipercubo, um cubo de quatro dimensões que é também chamado de teserato.

Não olhe muito para o teserato, senão você vai acabar enlouquecendo! O interessante do hipercubo é que é formado por cubos de três dimensões, mas é muito difícil de conseguirmos perceber o erro do desenho, é uma bizarrice que está aí, diante dos nossos olhos, mas, ao contrário dos desenhos de Escher, não é apenas um truque gráfico, mas sim uma realidade polidimensional.
Outra estranheza desta figura de quatro dimensões, é que ela não pode ser representada em três, ela só existe em quatro ou em duas dimensões. Não é possível fazer um modelo com arames, uma espécie de “perspectiva tridimensional” de um hipercubo, por mais que isso pareça simples em uma primeira vista.
No entanto podemos compreendê-lo matematicamente. Sabemos que, se a diagonal de um quadrado é raiz quadrada de dois e a de um cubo, raiz de três, a maior diagonal possível em um hipercubo é raiz de quatro, ou seja, duas vezes o valor do lado. Ao mesmo tempo, o volume desta forma geométrica estranha é o valor do lado elevado na quarta potência. Sabemos ainda que um hipercubo possui 24 faces quadradas, 16 vértices, 32 arestas e 8 cubos. Sabemos tudo sobre ele, pela boa e velha geometria euclidiana, só não conseguimos torná-lo real a nossa percepção.
Onde estão as outras dimensões? Por aí, por aqui, nos acompanhando a cada instante, por mais que as desprezemos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Longos Cinco Minutos


Eu tenho um amigo que alugava carros para brasileiros na Flórida. Certa feita, ele foi viajar e me pediu para receber um desses carros de uma cliente.
Acontece que na época eu trabalhava até às 11 da noite. Até aí, tudo bem, combinei que ela traria o carro até mim e depois eu daria um jeito de levar até a casa dele que ficava a cinco minutos de distância. Aí começaram as confusões.
Como eu havia ido com meu próprio carro, pedi o favor para uma amiga venezuelana conduzir o meu possante para eu levar o dele. Quando chegou a hora, ela me pediu para levar o outro, um Daewoo, parecido com o nosso Corsa. A pergunta que fiz era se ela sabia dirigir carros com marcha, pois são incomuns nos Estados Unidos.
- Por supuesto, ela me respondeu, soy de Venezuela y ajá todos los carros san manuales...
Muito bem, peguei o meu velho Prelude (na foto está bonitinho, mas vivia um horror...) e saí do estacionamento. Duas quadras depois percebi que ela não estava me seguindo. Parei, liguei para o celular e ela não havia conseguido ligar o carro.
- Pisou na embreagem? – Perguntei, pois por lá carros manuais não ligam engatados. Ah! Era isso!
Continuei andando, mais uma quadra, ela não chegou. Liguei de novo.
- No puedo retornar... – A ré, como nos carros da Chevrolet, era daquelas que têm uma alavanquinha redonda. Ensinei a ela a dar ré e disse que já estava chegando na Rua McNab, onde deveria virar.
Imaginemos, onze e meia da noite, eu andando devagar por uma rua escura, de repente acende a sirene de um carro de polícia atrás de mim. Parei, o policial veio até mim e perguntou se eu estava precisando alguma ajuda.
– Não, respondi, só uma amiga que vem aí atrás e está tendo dificuldades com um câmbio manual...
Como americano algum sabe dirigir carro com câmbio, essa é uma excelente explicação que deixou o guarda completamente convencido. Ainda perguntei se ele queria ver minha carteira e ele disse não, só estava oferecendo ajuda, disse que pensou que eu estava perdido (coisas de primeiro mundo, por aqui, nunca na vida um policial me ofereceu ajuda!).
Depois que me desvencilhei do contratempo, apanhei o telefone e liguei novamente para ela. Não tinha vindo...
- Estoy en McNab, en la esquina da la gasolinera! – Não havia posto de gasolina na Rua McNab... Ela estava na rua errada.
Só sei que já estava a umas 10 quadras do destino. Tive que ficar no telefone explicando como voltar até a casa do meu amigo por mais uns 15 minutos e ainda esperar na esquina para não passar direto. O translado de cinco minutos deve ter demorado uns 40.
Sabem como é, né? Mulheres no volante são iguais em todo o mundo...

Falando de Pão

Se falardes de pão
Falaremos de circo,
Se falardes do pão que o diabo amassou,
O pão nosso de cada dia,
Falaremos de manteiga.
Deixemos de migalhas
Que a vida não é só pão,
A vida não é só pão,
Pão integral, o cacete!
De forma, de forma alguma.
Se falardes pão, pão. Queijo, queijo.
Falaremos de pão de queijo,
De pão de queijo.

sábado, 6 de outubro de 2007

Praia Fechada

A plaquinha vermelha diz: "praia fechada das 11 da noite às 6 da manhã".
Será que se fosse aqui, a lei pegaria?


sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Aventuras (1)

Eu tenho um cunhado que foi militar e trabalhava na Aeronáutica. Quando eu era meninão, ele sempre sabia quando havia lugares nos aviões de passageiros da FAB, de modo que nas minhas férias eu tive oportunidade e sorte de conhecer muito do Brasil com alguns trocados no bolso e uma mochila nas costas, além de voar alguns aviões que só se vê em filmes: Avro, Búfalo, Hércules, etc. Os vôos da FAB já eram uma aventura em si, principalmente se considerarmos que passagens aéreas naquela época custavam pequenas fortunas para quem vivia de mesada.
Para piorar a situação, eu tinha uns amigos que também eram meio amalucados como eu e compartilhavam ou vibravam dessas ou de aventuras similares.
Os Albergues da Juventude, que hoje se chamam “hostels” surgiram já no final dessa minha fase de aventureiro, de modo que acampei em muitos lugares bonitos e me hospedei em muitas casas de estudante por esse país afora.

Aventura No. 1 – De Brasília à Assunción
Estava em férias de julho da faculdade e meu cunhado me telefonou, perguntando se eu gostaria de ir para Brasília, pois havia lugares em um Bandeirante decolando no dia seguinte. Não tive dúvidas, organizei minha mochila e logo já estava à bordo de um Bandeirantes com assentos laterais e um cabo de aço no teto, daqueles para o lançamento de pára-quedistas, sobrevoando o Planalto Central.
Eu viajava de avião, mas pegava ônibus de linha dos aeroportos. Assim, fui de ônibus até a Universidade de Brasília e, fazendo amizade com alguns estudantes, consegui um lugar para pernoitar na Casa de Estudantes do campus. Era muito organizada, uns apartamentos duplex com uma daquelas fotos oficiais do presidente Sarney pelo lado de dentro da porta em frente à privada, provavelmente surrupiada de alguma repartição pública. Portanto, pode-se dizer que quem usasse aquele vaso sanitário fazia verdadeiras obras públicas...
Como era inverno em Porto Alegre, me instalei na UnB, peguei um ônibus e fui até ao terminal conhecer o centro da capital federal, sempre vestindo um pulôver para o frio. Caminhei um tempão pelo centro, lá pelas tantas, olhei para um daqueles termômetros de rua: fazia 38 graus e eu todo agasalhado! Nunca tinha sentido o que era um ar seco na vida, não sabia que a gente não sua.
Hoje eu aprecio, mas na época detestei Brasília, feia e chata.
Na noite seguinte, peguei um ônibus para Cuiabá. Detalhe, eu viajava à noite para não pagar hotel... coisas que só se faz aos vinte anos.
O paradouro do ônibus era um local saído de filme, no meio da noite: lâmpadas vermelhas, música brega, gente mal encarada e prostitutas com caras de índias esperando os viajantes. Daqueles locais que só se for muito macho para pedir uma Fanta Uva e mais corajoso ainda para comer qualquer coisa que fosse.
No dia seguinte, desembarquei no calor infernal de Cuiabá. Dei uma volta no centro e logo voltei para a rodoviária para apanhar o ônibus para Chapada dos Guimarães. Cidadezinha totalmente sem graça para quem vai sem carro. Só que como o ônibus para Cuiabá só sairia dali umas 3 horas, resolvi pedir carona para uma excursão de estudantes de Rondônia. Fiquei ali, batendo papo com o pessoal, até que consegui convencer todo o ônibus a parar numa cascata, do Véu da Noiva que eu havia visto a placa na estrada na ida e estava doido para conhecer.
Eles já estavam bastante atrasados, mas alguns do grupo resolveram descer lá embaixo, o que atrasou mais de uma hora. Por mim, tudo bem, mas todo mundo ficou fulo com os desbravadores da natureza.
Na volta, derreti um pouco mais em Cuiabá, até que tomei um ônibus para o meu próximo destino, Campo Grande.
Não percam o capítulo seguinte!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Viagem na Irrealidade Cotidiana

Um livro que me impressionou muito na época que li e que recomendo é o “Viagem na Irrealidade Cotidiana”. Nele, Umberto Eco faz uma viagem pela costa Oeste dos Estados Unidos visitando museus e mostrando como se instalou a linguagem “fake” na cultura americana. Ele cita numerosos casos do tipo de museus em que aparecem, por exemplo, Napoleão Bonaparte em Waterloo ao lado da Alice no País das Maravilhas, num contínuo, como se pertencessem ambos à (mesma) realidade.
Que a cultura americana é “fake”, todos sabem. Já é até lugar-comum hoje em dia afirmar isso. Apesar da mente norte-americana ter começado com a liberdade religiosa e o federalismo, o que dá na verdade a identidade visual e artística àquele povo são elementos inventados apenas no século XX: o cowboy, o astronauta, o ídolo de rock, o beatnik, a estrela de cinema... Tudo foi inventado para completar o vazio histórico, o “horror ao vácuo” (termo usado por Eco) daquela cultura.
Já morei nas três capitais da região sul do Brasil e percebo muito claramente essa questão.
Ninguém nega que o gaúcho é um povo que tem cultura própria: a bombacha, o chimarrão, o café colonial, o churrasco, os ritmos musicais, os jogos, os artefatos para uso no campo, etc., além de todas as micro-culturas de micro-regiões, tais como pratos italianos, alemães, doces de Pelotas, etc. conferem uma identidade ampla e variada ao povo.
O mesmo acontece com o litoral de Santa Catarina. As rendas de bilros, a cultura da pesca, os pratos com marrecos, as gírias próprias, as narrativas fantásticas, as lendas de tesouros perdidos, etc. criam um ambiente particular e diverso de qualquer outro lugar do mundo.
E o Paraná? Tem o barreado de Morretes. Tem o fandango de Antonina. Tem o tropeirismo de Lapa... bem, cultura tropeira, toda a região de Viamão à Sorocaba também tem. Não dá para pensar muito adiante. Onde está a cultura do Paraná?
O estado ficou durante séculos como território de passagem, pois a Serra do Mar só foi vencida com a ferrovia de Rebouças, antes disso era apenas uma conexão de negociantes de gado entre o Rio Grande e Minas Gerais. Enquanto Porto Alegre já assistia óperas no Teatro São Pedro, os Curitibanos estavam catando pinhões no mato. Enquanto os paulistanos vestiam roupas européias, Curitiba era um vilarejo cercado de fazendas.
Tudo isso, foi só ampliado com a imigração. Até hoje o povo curitibano é considerado de personalidade fechada porque foi formado por guetos: alemães, italianos, japoneses, ucranianos, poloneses, árabes que não conseguiam se comunicar entre si, viveram isolados por um bom tempo sem influenciar em muito a sociedade local com suas culturas nacionais.
Na década de setenta, um grupo de jovens que planejou a cidade de Curitiba bolou uma coisa que eu considero genial: já que não havia uma cultura local, inventou-se! O Paraná passou a ser o estado do pinhão e da gralha azul. Curitiba, tornou-se a cidade dos imigrantes. Cada parque da cidade tem um memorial em homenagem a um povo.
Essa cultura “fake” gerou negócios, riqueza e progresso cultural da mesma maneira que aconteceu nos Estados Unidos. Portanto, a conclusão é que o “kitsch” cultural talvez não seja tão mal assim, pelo contrário, todo povo precisa de uma identidade própria, mesmo que ela tenha sido inventada.
Não só isso, a invenção de uma base cultural, gera uma cultura genuína. Trinta e tantos anos depois dessa mitificação local está surgindo um movimento teatral forte, qualidade em artes plásticas, talentos esportivos, tunagem de carros, corridas de carrinhos de rolimã e outras manifestações culturais importantes e diversas do restante do país.
Por isso, viva a irrealidade cotidiana. Sigamos em frente nessa viagem!

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Inteogenia

Inventei esse neologismo para designar uma necessidade humana que não está nos dicionários e que muitos passam pela vida sem ao menos perceber que precisam dela profundamente.
Inteogenia seria a criação (gene) de um deus interior (in/theos).
Um deus sem forma, sem estatuária, sem livro sagrado que o defina, sem igreja e sem sacerdote, mas que está ali, presente em cada coração humano. Um deus de uma crença que, como diriam os indianos de cinco mil anos atrás, é “nri swara” que em sânscrito quer dizer “sem Senhor”, sem um ser superior. Por inteogenia, portanto, quero dizer uma religiosidade atéia, por mais paradoxal que pareça essa afirmação.
Eu pessoalmente não acredito na afirmação politicamente correta de que cada um cultua sua religião de sua forma e que todos estão certos de sua maneira. Como poderia? Se existir reencarnação, como poderia existir os Jardins de Alá? Se existir virgindade de Maria, como poderia não existir? Se existir deus Tupã, como poderia existir Exu? Se existe um campo Elísio após a morte, como pode haver um Valhala? Isso de dizer que todos estão certos não cabe no meu pensamento lógico, parece-me muito mais uma afirmação política para que grupos humanos não gerem carnificinas, não uma resposta as minhas necessidades mais profundas. Para mim, se um estiver certo, todos os outros estarão necessariamente errados. Ponto final.
Aliás, pessoalmente, prefiro não tomar partido. Não acredito em nenhum sistema religioso organizado.
No entanto, como negar o incompreensível? Já escrevi sobre deus, aqui mesmo neste blog .
A inteogenia sempre será uma crença inferior, pois milhões cultuam cada deus de cada religião, enquanto que os deuses interiores são cultuados apenas por um, mínimo, único e mísero indivíduo. Porém, com que profundidade? Com absoluta certeza e devoção opostas à regra geral: qual religioso nunca se deparou com dúvidas, contradições e questionamentos?
O inteogenista, não. Ele sabe que a sua alma interior estará sempre ali, em cada momento de necessidade e na prece mais densa que se possa ter, aquela dirigida ao interior de si e das coisas.
Sentidos profundos da vida? A vida é o próprio sentido profundo!
Enquanto muitos crêem num deus que criou as matas, as montanhas e eu próprio, prefiro acreditar nas matas, montanhas e eu próprio criando os seus significados mais reais, aqueles visíveis, palpáveis e sensíveis.
Creio naquilo que meus olhos criam.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Histórias Bizarras (5) - OVNIs

Algumas histórias de amigos e parentes:
M. é engenheiro eletrotécnico e foi fazer um passeio com a namorada no pé da serra gaúcha, na cidade de Igrejinha. À noite estavam os dois olhando para a direção de Porto Alegre quando de repente um facho de luz brilhou rapidamente no horizonte. M. se espantou. Pensou na hora que tipo de mecanismo conseguiria produzir uma luz direcionada, como se fosse um raio laser, com tal intensidade, mas não conseguiu descobrir nada tão potente assim. No dia seguinte, leu nos jornais que na região de Cachoeirinha (cidade da Grande Porto Alegre) muitas pessoas haviam visto aparições de OVNIs que acabaram com um facho de luz descrito exatamente como ele tinha visto.
D. estava fechando a garagem de casa em Campinas quando olhou para o céu e viu um disco-voador flutuando sobre a cidade. Não conseguiu chamar os familiares porque desapareceu muito rapidamente.
J.L. é engenheiro agrônomo e na época, recém formado, estava caminhando no campo com P., um agregado que morava no sítio da minha vó. Este homem tinha um retardo mental e não falava, apenas balbuciava palavras. De repente, viram um disco-voador. O interessante da história não é o relato de J.L., que é uma pessoa com instrução e poderia ter inventado a história toda, mas quando perguntávamos para P., este homem simplório, sobre o que havia acontecido, ele desenhava dois círculos na areia e fazia gestos indicando que os círculos haviam passado sobre eles. O estranho é justamente o fato de ele não ter condições mentais de inventar aquilo tudo.
P. estava prestando serviço militar em Santos, SP, como vigilante em uma guarita. No meio da noite, viu um objeto voador, como se um helicóptero estivesse procurando alguém no solo, com um facho de luz. Passou próximo a ele, mas era um disco voando, sem som algum.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Disciplinas que Deveriam Ser Inventadas


Aldous Huxley, no seu romance A Ilha, conta a história de uma sociedade que seria perfeita. Na narrativa, ele fala de um rei dessa ilha que, dentre outras coisas, muda completamente o sistema de ensino para melhorar os seus cidadãos. Pegando o gancho, quais disciplinas eu colocaria nas escolas brasileiras para formarmos uma sociedade melhor?
a) Honestidade. Da primeira série do ensino fundamental, até matéria obrigatória na universidade. Países mais honestos, são os mais prósperos, simples. É algo que os pais deveriam ensinar os filhos? Sim, só que muitos não ensinam, por isso, o Estado deveria tomar as rédeas desse ponto específico da educação.
b) Campismo. Fazendo camping, se aprende muitas coisas úteis na vida. A mais importante é que cortar lenha, cozinhar, fazer faxina ou carregar peso não são trabalhos inferiores ou humilhantes. As nossas classes mais favorecidas, principalmente, diminuiriam muito de suas soberbas se essa matéria fosse ensinada nas escolas.
c) Contabilidade. Ensinar as pessoas que para todo o gasto, deve haver uma entrada de recursos. Em primeiro lugar, ajudaria a população na economia doméstica e, de sobra, ainda a faria pensar duas vezes quando políticos desperdiçassem dinheiro público.
d) Método científico, lógica, metodologia e... misticismo. Disciplinas opostas? Bem, por um lado, é preciso ensinar as pessoas a identificar charlatanismo, para que não sejam enganadas. Por outro, é preciso ensinar cada um a buscar um deus interior, desligado de crenças, supertições e religiões, de maneira que também não seja enganado.
e) Empreendedorismo. Algumas escolas particulares já aderiram a esta idéia. A rede pública deveria seguir o exemplo.
f) Moral e civismo. No meu tempo, tinha...

O Caminho de Borocotó

Digavar, digavarzinho,
Eu vou,
Eu vou prá Borocotó.
No toc-toc do caminho,
De cavalinho, levantando pó.
Por onde ando
Não me faz cosca
Nem mosca ou vento,
Me cutucando
Só o pensamento,
Me atazanando
Só o sofrimento:
Por onde anda aquela moça
Que encontrei lá pela roça?
Por onde anda aquela bela
Que me fez gamar por ela?
Por onde anda aquele sonho
Que fez eu ficar tristonho?

Diga lá, Santo Antoninho
Que me guia e é padrinho:
Como amarro e dou um nó
No meu xodó de Borocotó?

Digavar, digavarzinho
Eu vou,
Eu vou lá prá procurar,
Pela estrada, tão sozinho,
Esse mundão é o meu lugar,
Mas a moça de Borocotó
Faz com que eu não me sinta só.

Pira