quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Viagem na Irrealidade Cotidiana

Um livro que me impressionou muito na época que li e que recomendo é o “Viagem na Irrealidade Cotidiana”. Nele, Umberto Eco faz uma viagem pela costa Oeste dos Estados Unidos visitando museus e mostrando como se instalou a linguagem “fake” na cultura americana. Ele cita numerosos casos do tipo de museus em que aparecem, por exemplo, Napoleão Bonaparte em Waterloo ao lado da Alice no País das Maravilhas, num contínuo, como se pertencessem ambos à (mesma) realidade.
Que a cultura americana é “fake”, todos sabem. Já é até lugar-comum hoje em dia afirmar isso. Apesar da mente norte-americana ter começado com a liberdade religiosa e o federalismo, o que dá na verdade a identidade visual e artística àquele povo são elementos inventados apenas no século XX: o cowboy, o astronauta, o ídolo de rock, o beatnik, a estrela de cinema... Tudo foi inventado para completar o vazio histórico, o “horror ao vácuo” (termo usado por Eco) daquela cultura.
Já morei nas três capitais da região sul do Brasil e percebo muito claramente essa questão.
Ninguém nega que o gaúcho é um povo que tem cultura própria: a bombacha, o chimarrão, o café colonial, o churrasco, os ritmos musicais, os jogos, os artefatos para uso no campo, etc., além de todas as micro-culturas de micro-regiões, tais como pratos italianos, alemães, doces de Pelotas, etc. conferem uma identidade ampla e variada ao povo.
O mesmo acontece com o litoral de Santa Catarina. As rendas de bilros, a cultura da pesca, os pratos com marrecos, as gírias próprias, as narrativas fantásticas, as lendas de tesouros perdidos, etc. criam um ambiente particular e diverso de qualquer outro lugar do mundo.
E o Paraná? Tem o barreado de Morretes. Tem o fandango de Antonina. Tem o tropeirismo de Lapa... bem, cultura tropeira, toda a região de Viamão à Sorocaba também tem. Não dá para pensar muito adiante. Onde está a cultura do Paraná?
O estado ficou durante séculos como território de passagem, pois a Serra do Mar só foi vencida com a ferrovia de Rebouças, antes disso era apenas uma conexão de negociantes de gado entre o Rio Grande e Minas Gerais. Enquanto Porto Alegre já assistia óperas no Teatro São Pedro, os Curitibanos estavam catando pinhões no mato. Enquanto os paulistanos vestiam roupas européias, Curitiba era um vilarejo cercado de fazendas.
Tudo isso, foi só ampliado com a imigração. Até hoje o povo curitibano é considerado de personalidade fechada porque foi formado por guetos: alemães, italianos, japoneses, ucranianos, poloneses, árabes que não conseguiam se comunicar entre si, viveram isolados por um bom tempo sem influenciar em muito a sociedade local com suas culturas nacionais.
Na década de setenta, um grupo de jovens que planejou a cidade de Curitiba bolou uma coisa que eu considero genial: já que não havia uma cultura local, inventou-se! O Paraná passou a ser o estado do pinhão e da gralha azul. Curitiba, tornou-se a cidade dos imigrantes. Cada parque da cidade tem um memorial em homenagem a um povo.
Essa cultura “fake” gerou negócios, riqueza e progresso cultural da mesma maneira que aconteceu nos Estados Unidos. Portanto, a conclusão é que o “kitsch” cultural talvez não seja tão mal assim, pelo contrário, todo povo precisa de uma identidade própria, mesmo que ela tenha sido inventada.
Não só isso, a invenção de uma base cultural, gera uma cultura genuína. Trinta e tantos anos depois dessa mitificação local está surgindo um movimento teatral forte, qualidade em artes plásticas, talentos esportivos, tunagem de carros, corridas de carrinhos de rolimã e outras manifestações culturais importantes e diversas do restante do país.
Por isso, viva a irrealidade cotidiana. Sigamos em frente nessa viagem!

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