sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Divisão nas Almas


Por que uma pessoa sensata, inteligente e honesta não pensa como tu? E por que até aqueles que são do mesmo time, pensam de maneira tão diferente?
Ora, porque ela é fascista, dirás, muitas vezes usando até a falácia lógica de atribuir-lhe características nazistas, a “reductio ad hitlerum”, tão comum nos argumentos atuais. Atribuir ao outro as características dos nazistas, aliás, é atributo tanto das esquerdas quanto das direitas.
Aqui, ser de direita ou de esquerda já nos dá uma primeira divisão das almas humanas, mas não existem pacotes. Pode-se ser de direita, mas a favor do aborto, do casamento homossexual ou do centralismo do Estado. Pode-se ser de esquerda, mas a favor da pena de morte e contra o aumento dos impostos. Os restantes, os idiotas que pensam em conjuntos fechados, os homens-massa de Ortega y Gasset, não fazem parte da presente explanação. Lembra-te, estamos falando dos sensatos, inteligentes e honestos, e não dos manipulados e sem rosto e nem dos canalhas. Falamos dos indivíduos com número na carteira de identidade e, portanto, com suas idiossincrasias.
O monopólio das virtudes tampouco é bom fiel, pois todos os honestos, sensatos e inteligentes se acham donos da verdade, representantes do bem, contra os demais que são agentes do mal, levando-nos a inquirir sobre elementos que formam as opiniões.  
Dessa maneira, pode-se afirmar que existe uma primeira divisão nas almas humanas, a dos centralistas, versus os individualistas. Alguns acreditam que os homens precisam ser ordenados por um ser ungido, onisciente, que poderá determinar o destino de todos. Outros acreditam que cada um deverá tomar conta do próprio nariz. Covardes! Submissos!, serão acusados os primeiros. Egoístas! Arrogantes!, ouvirão os últimos.
Outra classificação possível se dá entre os generalistas, que enxergam o problema geral, e os que olham para o problema imediato, os especificistas. Onde está a maldade, deixar um cão de rua morrer de fome para que ele não se reproduza e não tenha cada vez mais cães nas ruas, ou alimentá-lo para que não sofra? Alguns pensam no problema amplo, outros, no imediato. A alternativa torna-se mais dramática se a imagem do cão for trocada pela do mendigo: dar ou não esmolas? É moralmente melhor limpar as ruas de sua presença ou incentivá-los para que tenhamos cada vez mais pedintes?
Existem também os literais e os pragmáticos. Deve-se esperar o sinal abrir, a pé, sob a neve, três horas da manhã, ou se deve verificar que não vem carros (e policial observando) e atravessar a rua? Para um alemão, a primeira alternativa parece válida, pois leis existem para serem cumpridas, para um latino ou para um anglo-saxão, absurda.
Por fim, outra classificação humana possível se dá entre os que buscam a verdade e os que buscam a validade. Os nazistas efetuaram os estudos mais profundos já realizados sobre congelamento humano, que poderia ser muito útil no caso de naufrágios e desastres naturais. Como foram feitas essas pesquisas? Com enormes sofrimentos produzidos em prisioneiros de campos de concentração. A pergunta é: será que é válido utilizar-se de pesquisas realizadas nessas condições, mesmo que elas sejam verdadeiras?

Por isso, tu, que ficas indignado com os coxinhas e mortadelas e suas incoerências e disparates, imagina quantas combinações não geram apenas esses questionamentos e o quão complexa é a alma humana e as alternativas da vida, apenas quando se fala de pessoas sensatas, inteligentes e honestas, apenas quando se apresentam questões para as quais existem argumentos significativos dos dois lados?