A Divisão nas Almas
Por que uma pessoa sensata, inteligente
e honesta não pensa como tu? E por que até aqueles que são do mesmo time,
pensam de maneira tão diferente?
Ora, porque ela é fascista,
dirás, muitas vezes usando até a falácia lógica de atribuir-lhe características
nazistas, a “reductio ad hitlerum”, tão comum nos argumentos atuais. Atribuir
ao outro as características dos nazistas, aliás, é atributo tanto das esquerdas
quanto das direitas.
Aqui, ser de direita ou de
esquerda já nos dá uma primeira divisão das almas humanas, mas não existem
pacotes. Pode-se ser de direita, mas a favor do aborto, do casamento
homossexual ou do centralismo do Estado. Pode-se ser de esquerda, mas a favor
da pena de morte e contra o aumento dos impostos. Os restantes, os idiotas que
pensam em conjuntos fechados, os homens-massa de Ortega y Gasset, não fazem
parte da presente explanação. Lembra-te, estamos falando dos sensatos, inteligentes
e honestos, e não dos manipulados e sem rosto e nem dos canalhas. Falamos dos indivíduos
com número na carteira de identidade e, portanto, com suas idiossincrasias.
O monopólio das virtudes
tampouco é bom fiel, pois todos os honestos, sensatos e inteligentes se acham
donos da verdade, representantes do bem, contra os demais que são agentes do
mal, levando-nos a inquirir sobre elementos que formam as opiniões.
Dessa maneira, pode-se afirmar
que existe uma primeira divisão nas almas humanas, a dos centralistas, versus os individualistas.
Alguns acreditam que os homens precisam ser ordenados por um ser ungido,
onisciente, que poderá determinar o destino de todos. Outros acreditam que cada
um deverá tomar conta do próprio nariz. Covardes! Submissos!, serão acusados os
primeiros. Egoístas! Arrogantes!, ouvirão os últimos.
Outra classificação possível
se dá entre os generalistas, que
enxergam o problema geral, e os que olham para o problema imediato, os especificistas. Onde está a maldade,
deixar um cão de rua morrer de fome para que ele não se reproduza e não tenha
cada vez mais cães nas ruas, ou alimentá-lo para que não sofra? Alguns pensam
no problema amplo, outros, no imediato. A alternativa torna-se mais dramática se
a imagem do cão for trocada pela do mendigo: dar ou não esmolas? É moralmente
melhor limpar as ruas de sua presença ou incentivá-los para que tenhamos cada
vez mais pedintes?
Existem também os literais e os pragmáticos. Deve-se esperar o sinal abrir, a pé, sob a neve, três
horas da manhã, ou se deve verificar que não vem carros (e policial observando)
e atravessar a rua? Para um alemão, a primeira alternativa parece válida, pois
leis existem para serem cumpridas, para um latino ou para um anglo-saxão,
absurda.
Por fim, outra classificação humana
possível se dá entre os que buscam a verdade
e os que buscam a validade. Os
nazistas efetuaram os estudos mais profundos já realizados sobre congelamento
humano, que poderia ser muito útil no caso de naufrágios e desastres naturais.
Como foram feitas essas pesquisas? Com enormes sofrimentos produzidos em prisioneiros
de campos de concentração. A pergunta é: será que é válido utilizar-se de
pesquisas realizadas nessas condições, mesmo que elas sejam verdadeiras?
Por isso, tu, que ficas
indignado com os coxinhas e mortadelas e suas incoerências e disparates,
imagina quantas combinações não geram apenas esses questionamentos e o quão
complexa é a alma humana e as alternativas da vida, apenas quando se fala de
pessoas sensatas, inteligentes e honestas, apenas quando se apresentam questões
para as quais existem argumentos significativos dos dois lados?