domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pecado Original

Quando Deus criou o homem e a mulher, criou-os sem o conhecimento do bem e do mal, ou seja sem responsabilidades e sem culpas pelos seus atos, apenas com dolo: se transgredissem as regras e comessem do Fruto Proibido, iriam ser punidos, sem sombra de dúvida. Eles assim o fizeram e adquiriram o pecado original para si e para todos os seus descendentes.
O que Adão e Eva fizeram? Um dolo, um ato ilícito, com a intenção de fazer, sabendo que a sua prática era proibida. E do que se trata o pecado original, aquilo que herdamos sem a mínima vontade? É a culpa, um ato praticado de forma não intencional, mas nem por isso menos danoso.
No Brasil, quando tomba um caminhão na estrada, surgem pessoas do nada, como se tivessem brotado do mato e das fendas da estrada para roubar as mercadorias. Se perguntarmos a qualquer uma delas se se julgam ladras, elas dirão que não, pois a “culpa é do camioneiro em dormir no volante, nós só estamos catando para não estragar...”. Em nosso país, a idéia de pecado original, exime a responsabilidade dos atos posteriores.
Os atos que levaram a ele também são redimidos pela catarse da culpa. Quando um motorista atropela uma criança em um bairro de periferia, precisa sair correndo, pois de outra maneira será certamente linchado pelos moradores. Será que as pessoas saem por aí com a intenção de atropelar criancinhas ou é um caso evidente de culpa e não de dolo? A população não quer nem saber da irresponsabilidade dos pais em deixar os filhos na rua ou do Poder Público em não dispor de sinalização. O motorista tem a mácula do pecado original e pronto!
Somos treinados desde crianças a malhar Judas, quando crescemos, não conseguimos agir diferente. Em cada cabeça brasileira soa o sino da sentença de um juiz cruel que exige expiação imediata para que a justiça divina se estabeleça de imediato.
Tudo isso seria apenas um curiosidade da cultura de nosso país se não impregnasse o sistema judiciário também. Depois do acidente do avião da Gol, as pessoas ficaram indignadas com a fuga dos pilotos para os Estados Unidos e com a “insensibilidade” do governo americano em acobertar tais criminosos. Afinal de contas, é deles o pecado original pela morte dos passageiros do Boeing, não só pela barbeiragem nas alturas, mas também pelo fato de serem cidadãos americanos, “porcos imperalistas que vêm nos assassinar por aqui”, na cabeça doentia de muitos de nossos concidadãos.
No entanto, a ALPA, Associação de Pilotos de Linhas Aéreas, advertiu os seus membros dos perigos de se voar no Brasil, esse país de bárbaros em que um acidente involuntário leva as pessoas à cadeia.
O acidente foi causado porque os “porcos imperalistas” não ligaram o “transponder”, foi o laudo final das investigações. Ora, uma grande porcentagem dos aviões que voam no Brasil nem sequer têm esse equipamento. Muitos só têm velocímetro, temperatura do óleo, conta-giros, altímetro e “bolinha” (um nível igual ao de pedreiro), ou seja, um painel mais espartano do que o de um automóvel, e nem por isso são equipamentos que representam perigo à segurança aérea. Pássaros, balões e outros obstáculos precisam ser monitorados e evitados, fazem parte do controle de tráfego.
Cada equipamento precisa de treinamento adequado. Assim precisamos de alguns dias para “vestir” o veículo quando trocamos de carro, os pilotos precisam de algum tempo para um total domínio de um novo avião. É preciso fazer o “ground school” (treinamento teórico) e treinamento em simulador. Horas de vôo no equipamento também ajudam.
De quem é o dolo? O acidente não foi intencional, não houve dolo, todos sabemos. De quem é a culpa? Dos pilotos, mas também dos controladores de vôo, do diretores dos órgãos administrativos, dos responsáveis por verbas, dos responsáveis pelo treinamento de controladores e do equipamento, dos políticos corruptos que no passado desviaram valores destinados à aviação, dos professores de inglês dos controladores de tráfego, dos eleitores que votaram mal... É muito fácil achar um Judas para malhar. Um acidente é sempre causado por um somatório de fatores, se formos culpar um elo, deveríamos culpar também todos os responsáveis pela cadeia de acontecimentos.
De quem é a responsabilidade? Da companhia aérea americana, isso ninguém discute, da mesma maneira que quando um carro bate no poste, não se pode responsabilizar o poste. A empresa aérea a única que precisa pagar a conta das indenizações.
O pecado original, não esqueçamos, destrói a idéia de dolo e de responsabilidades. Assim sendo, busca-se o culpado na vã esperança de nos libertarmos de nossos próprios crimes.
Assim, venerado leitor, quando perguntardes por quem os sinos da nossa justiça dobram ao procurar culpados de forma insana, não esqueçais: eles dobram por vós...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Energia Barata

Hoje eu estava assistindo na TV um programa sobre umas “scooteres” elétricas que foram lançadas recentemente, falando das vantagens de não se precisar reabastecer o veículo.
O mito da eletricidade é das mentiras mais bem contadas para os leigos. É impressionante como as pessoas acreditam que um veículo elétrico poderia rodar praticamente sem gastos e que existe um complô internacional dos fabricantes de automóveis para que as pessoas usem carros à gasolina.
Basta um pouco de pensar para que percebamos que isso não é verdade.
Iniciando o raciocínio: por que no nosso país é preferível usar chuveiro a gás do que elétrico? Simples, além de aquecer mais, o gás (GLP, de petróleo) é mais barato, todos sabemos. Por que hotéis e outras empresas preferem usar um gerador a diesel em horários de pico do que usar a eletricidade da rua? Por que o diesel é mais barato do que eletricidade...
Está certo que é uma energia menos poluente, mas quem disse que eletricidade é barata? Comparada a outras formas, é extremamente dispendiosa, pois necessita de massivos investimentos, normalmente estatais, que nem sempre são feitos. Para controlar o consumo, os governos aumentam o preço, lei da oferta e da demanda.
Sabendo disso, as distribuidoras de petróleo simplesmente fazem os seus preços despencarem, de maneira que os investimentos em energias alternativas ou concorrenciais não compensem. Foi o caso dos recentes aumentos do petróleo, quando o barril começou a se aproximar dos duzentos dólares, os cartéis acenderam a luz vermelha, pois começaram a surgir carros com célula de combustível, o álcool brasileiro começou a se tornar viável e a caríssima exploração dos campos da Petrobrás em águas profundas começou a valer o investimento. Com 45 dólares o barril, tudo isso saiu das manchetes, ficou caro.
Isso é um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde existe muito mais infra-estrutura e a eletricidade é bem mais barata, a ponto de praticamente não se usar gás doméstico, a gasolina também acompanha esse custo baixo, pois os produtores de petróleo sabem muito bem que se cobrarem muito, as pessoas vão procurar alternativas energéticas, o que é extremamente danoso aos negócios. O mesmo vale para o álcool: nos estados em que o custo de transporte do álcool é mais alto (RS, SC...), o preço da gasolina também é, mantendo sempre a concorrência.
A mesma lógica de custo de eletricidade vale também para outros veículos: células de combustível (hidrogênio), ar comprimido, volantes de inércia, etc. se valem da eletricidade para atuarem, sendo portanto caros.
Qual é a solução, portanto, para baixar o preço nos postos de gasolina? Investir em infra-estrutura do setor elétrico! Por esse motivo que existe tanta pressão contra usinas hidrelétricas e nucleares, pois produzir eletricidade, significa, baixar os preços praticados pelas grandes distribuidoras. Poderosos “lobbies” e alguns ambientalistas vendidos fazem de tudo para que a eletricidade continue caríssima por aqui. Como a eletricidade é fruto da ineficiência estatal e os derivados de petróleo correspondem à competência de um ágil e altamente lucrativo setor privado, este sempre levará vantagens sobre aquele.
E, os incautos argumentarão mais um pouco, os painéis solares não serão a solução? Afinal, se cada um produzir a sua própria energia a eletricidade custará menos e, baseados no raciocínio aqui exposto, o petróleo cairá até o ponto de ser eliminado. Pelo que sabemos hoje em dia, isso também não ocorrerá. A tecnologia solar está chegando no limite teórico de eficiência, o custo do quilowatt/ hora continuará sendo mais caro do que o da energia nuclear e muito mais caro do que a hidrelétrica. O mesmo vale para os ventos e as ondas: são economicamente inferiores.
Quais são as soluções? Uma delas é armazenar a energia elétrica perdida nos horários de baixo consumo, técnica que os engenheiros de Itaipu estão tentando em um trabalho discreto, mas valoroso. De que forma? Existem três tipos de acumuladores: baterias, volantes de inércia e eletrólise do hidrogênio da água. As baterias, são caras. Os volantes de inércia (rodas girando em alta velocidade que acumulam energia mecânica) geram muita manutenção, sendo também dispendiosos. A mais promissora das formas de acumulação de energia, é a produção de hidrogênio, o que também não é barato e, não esqueçamos, é altamente explosivo.
A cerâmica termelétrica (que converte calor em eletricidade) e o barateamento dos painéis solares são também formas promissoras, pois mesmo com baixa eficiência, um dia pode-se ganhar em termos de custo. Materiais esponjosos que acumulam hidrogênio de forma segura também estão vindo por aí, mas essas tecnologias ainda residem no futuro.
E quanto ao álcool de cana? Será o futuro do Brasil? Não, não será. Apesar da enorme campanha do governo para afirmar o contrário, não creio. Desde o momento que se descobriu como extrair álcool de celulose e também de algas marinhas cultiváveis, a vantagem competitiva das grandes áreas agrícolas sob um sol tropical que temos se tornou menos significativa. É só questão de tempo para outros países produzirem álcool barato que virá competir com o nosso. E no momento que isso acontecer em nível mundial, os cartéis de petróleo despencarão ainda mais os seus preços, tornando os investimentos nessa área inviáveis.
Assim sendo, em termos práticos para o nosso momento presente, como parar de queimar combustíveis fósseis? Investindo nas formas convencionais de eletricidade. Quanto mais hidrelétricas e usinas nucleares tivermos, mais barato será o litro de combustível e o nosso ar será mais limpo.
Enquanto isso, não sonhe com uma motoneta elétrica. É caro.