quinta-feira, 30 de abril de 2009

Justiça

Dizer-se ateu ou descrente pressupõe a compreensão da palavra “Deus”, assim como dizer que não se acredita em fantasmas ou em extraterrestres, pressupõe que se compreende o que sejam tais aparições.
E como se define Deus, senão como criador e onipotente? Não se define, não se pode definir algo pelas suas características, no entanto crentes e descrentes se utilizam desse conceito abstrato como princípio nas suas discussões.
É muito fácil discutir o impalpável no campo da metafísica, mas e no mundo da concretude das coisas, como é que fica? Como se define ou exemplifica a palavra “matéria”? Possuir massa e ocupar lugar no espaço não são senão as suas características. Não se vê matéria andando por aí, solta. No mundo real, existem corpos, que são porções definidas de matéria, mas de que são formados, se não podemos a definir? E os triângulos, onde estão? Conhecem-se formas triangulares, mas a geometria nos fornece apenas idéias, não realizações palpáveis. Podemos calcular com elas, podemos prever os acontecimentos dessas manifestações, mas elas continuarão pertencendo ao campo do abstrato.
Dentro da ausência de definições e exemplos, podemos ainda nos perguntar se algo é justo. Os juristas muito repetem que justiça não existe, apesar de criarem os ministérios da justiça, os tribunais de justiça e os nomearem oficiais de justiça.
A justiça para a minhoca que é devorada pelo passarinho não é a mesma do passarinho que precisa se alimentar, ponto passivo, mas isso não quer dizer que justiça não se manifeste.
É relativa? Sim. É abstrata? Sim. Existe? Com certeza não, pois ainda não existe aquilo que precisa ser feito a todo momento. No entanto, não é por isso que não ocorre uma idéia de justiça, que está dentro de nós todos a tal ponto de conseguirmos identificar inclusive o seu oposto: as flagrantes injustiças, estas sim, visíveis, palpáveis e mensuráveis.
A justiça está sempre por fazer ou, em alguns raros casos neste mundo cão, já está feita. Ela pertence aos ambientes do futuro ou do passado, portanto inalcançáveis para nossa dimensão humana que viaja sempre no vagão do presente e que é engatado a um comboio que nunca parte e nem nunca chega à estação alguma.
Justiça existe no futuro, sim, mas ela tem um outro nome, esperança. Só sabemos a identificar, falando na plenitude da idéia, quando ela já foi feita e desapareceram as mazelas que a invocaram. Assim sendo, a sua existência se prova justamente pelo seu deixar de existir, pois como algo poderia se tornar passado se nunca tivesse ocorrido? Podemos imaginar que ela continua existindo no exato e fugaz instante que ela se concretiza no mundo das lembranças.
Mas se podemos reconhecer os seus signos e indícios, sem nunca conseguirmos abraçá-la calorosamente, por onde tem andado? Será que vem de uma natureza inconstante, de um Deus, no máximo, compreensível ou de uma matéria que não é possível apalpar? Por que nem o direito da natureza, nem o direito canônico, nem o direito que se pretende objetivo, conseguem chegar a ela por completo?
Porque o direito, assim como a justiça, também pertence ao rol das palavras abstratas. Ele germina naquilo que não existe, naquilo descaracterizado e sem exemplificação.
Assim, portanto, quando os operadores do direito, dizem que sua função não é fazer justiça, mas fazer direito, trocam seis por meia-dúzia. Sua função, ainda que não seja fazer justiça, é deixar a justiça feita.
Sim, é preciso deixar a justiça feita. Sim, Justiça! Aquilo que não se define, não se mostra, não se apresenta no futuro, não ocorre nem aqui e nem agora, mas que todos sabemos o que é, e que desejamos que ela passe a ter sido executada.

sábado, 25 de abril de 2009

Por que o Relativismo Cultural está incorreto?

A vida é composta de opções que nos levam a ações.
Assim como num jogo de xadrez, pode-se escolher fazer o lance com a torre ou com o peão, mas não temos a opção de não jogar. A não ser em casos excepcionais, como o de doenças debilitantes, a opção do personagem d’O Estrangeiro, de Camus, de não fazer nada a respeito das imposições vivenciais e passar o romance inteiro repetindo “para mim é indiferente”, não é válida. Temos que escolher uma forma de ação e, obviamente, escolhemos aquela que nos traga a maior satisfação dos desejos e minimização das agruras.
O equívoco é acreditar que o mesmo ocorre com um grupo social. A sociedade, que é chamada com diferentes alcunhas dependendo da situação: mercado, massa, eleitorado, etc., é bem mais do que a soma dos indivíduos. Assim como o sal não é a simples soma de sódio com cloro, quando reunimos pessoas, ocorre um acréscimo de estados ou qualidades bastante diversos daqueles propostos por indivíduos. Ninguém de sã consciência acredita piamente que os flamenguistas ou os botafoguenses são pessoas inferiores ou que são filhos de prostitutas, no entanto quando se reúnem torcidas de futebol, a massa pensa diferente. Todos nós aprendemos que a terra gira em torno do sol, no entanto quando o pastor da igreja evangélica fala a passagem em que o sol parou no céu, as pessoas gritam “Aleluia!”. As massas reelegem políticos, as pessoas proclamam corrupções e escândalos. Os indivíduos repetem que Coca-Cola faz mal à saúde, o mercado se locupleta.
A qualidade pode surgir de duas fontes: primeiro, quando reunimos hidrogênio, oxigênio e carbono, substâncias sem gosto, obteremos açúcar, substância com gosto. A qualidade surge do nada, devido às combinações adequadas. Segundo, quando colocamos temperatura no gelo, ele se transforma em gelo mais quente, até o ponto em que muda de estado, vira água. Gelo e água são coisas diferentes, tanto é que podemos pedir num restaurante uma água com gelo, não é uma simples diferença de quantidade de calor.
A segunda falácia é negar que existem verdades absolutas. Isso até pode acontecer em nível individual, mas não em nível coletivo. Quando um político recebe a notícia que sua pesquisa eleitoral deu 45% e mais a margem de erro, isso é 45% e mais a margem de erro, não 58% e nem 23%. Essas pesquisas podem ser verificadas facilmente pelos resultados eleitorais poucos dias depois e tem sido assim desde a década de 50. Quando se afirma que duas nações democráticas nunca entraram em guerra entre si, estamos conferindo uma qualidade à democracia, o de evitar guerras. Não são valores relativos, são regras universais, válidas para todos os tempos e lugares.
O terceiro argumento retórico é o de tomar a borda do sino da curva de Gauss como verdadeira, os números pequenos das estatísticas como se fossem importantes. Isso é válido, por exemplo, quando o Ministério da Cultura financia um daqueles filmes que ninguém assiste. O mercado está apontando para uma determinada direção, mas os burocratas insistem em extorquir dinheiro dos impostos para “promover a cultura”. A pergunta é: será que vale a pena? Será que a cultura é um ser mágico que precisa ser promovido ou a verdade é que os financiamentos se dão em muitos casos para promover apaniguados políticos e produzir uma cultura absolutamente inútil? Não é verdade que o mercado seleciona apenas cultura barata, pois existe um número sem-fim de filmes de qualidade, de grande apelo às massas e que não foram financiados pelos impostos dos pobres contribuintes. As insignificâncias, em numerosos casos, podem ser simplesmente ignoradas sem que venham a fazer a menor falta.
O argumento contrário também é falacioso. Não é porque algo existe em grande quantidade que representa qualidade. Posso jogar todo o lixo do mundo num aterro que ele continuará a ser montanha de lixo, não se transformará nos Alpes suíços. Nem sempre a quantidade leva a uma mudança de qualidade. Não adianta financiarmos numerosas pesquisas em universidades, se não conseguimos produzir um único Prêmio Nobel.
Resumindo, o Relativismo Cultural se baseia em diversas premissas falsas, por isso precisamos sempre ter em mente:
- não existe a opção de não agir, por isso precisamos fazer escolhas;
- as escolhas devem ser as de melhor qualidade;
- qualidade existe e não é um valor subjetivo e nem quantitativo;
- existem verdades universais, nem tudo é relativo;
- números pequenos não nos levam ao encontro da verdade;
- acúmulos de quantidades não levam necessariamente a mudanças qualitativas.

Aonde se quer chegar com tudo isso? O argumento de que o Absolutismo Intelectual é ideológico e funciona para manter estruturas de poder já estabelecidas encontra aqui o seu oposto. O Relativismo Cultural é ideológico também, mas serve para fins diversos, fundamentalmente para extorquir riquezas produzidas pela sociedade para o desfrute de uma casta parasitária dessa riqueza. Serve para que alguns antropólogos financiem pesquisas para manter a cultura de aldeias indígenas e ao mesmo tempo para instalar computadores ligados à Internet que fatalmente irão destruir a cultura das mesmas aldeias. Serve para promover as usinas nucleares como perigosas e logo depois considerá-las ecologicamente corretas. Serve para que num momento um artista proclame a malvadeza dos capitalistas e no outro momento desfrute dos direitos autorais em dólares e da liberdade de expressão produzida pelas sociedades de capital.
Em outras palavras, o Relativismo Cultural se presta para manter ao mesmo tempo um permanente Samba do Crioulo Doido ou, num outro momento, uma Manifestação Artística de Afro-Descendente Bipolar. Depende a quem convém naquele instante.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Filósofos

O Agostinho era santo mesmo, mas o São Tomás gostava de tomá umas pingas com o Thomas Jefferson, que era outro que não tomava jeito. E ainda tomavam em jejum, não eram como o outro que era um gordão porque comia um Platão de comida pela manhã, um Platão no almoço e um Platão antes de dormir. Mas acontece que era um gordo saudável, quem tinha um colesterol altíssimo por causa da alimentação, era o Francis, pois atacava a geladeira no meio da madrugada só para comer Bacon.
Tinha um que tinha uma missão bem Espinosa: convencer o outro que estava transando Com Fucio e largado a mulher, a voltar para casa. Ficava gritando: Voltaire! Voltaire para casa, pensa nos teus filhos que vão crescer ao Deus-dará...
O Marx Weber era muito amigo dos dois russos, o Russell e o Rousseau.
O Freud era aquele tipo de pessoa que só se f... Bem..., vamos pular este.
O outro gostava de pescar. E não era só pescar, ele colecionava tampinhas de refrigerante e passava as tardes montando aeromodelos, quando não estava soltando pipa. Gostava também de esquiar no Monte Squieu e caminhar na Montaigne. Era cheio de Hobbes. Ao contrário daquele que desperdiçava tudo. Jogava fora o que lhe caía nas mãos, era o rei dos Descartes.
Diz um boato de que quando o Kierkegaard se encontrou com o Diderot, criaram o Kinder Ovo: foi achado um grande Nietzsche de mercado.
Tinham também os malucos, eram todos meio Locke. Um deles ficava contando até dez, o dia inteiro, ninguém aguentava mais o Compte. O que gostava de cantar, era doido manso, o pessoal até pedia: Kant aquela musiquinha dos Mamonas Assassinas! E ele cantava...
Aquele que era metrossexual, o Adorno, gostava de usar brinquinho na orelha, piercings e uma sacola cheia de penduricalhos. Além disso, tinha um amigo muito distraído, contam que andava por aí comendo Mosca.
No entanto, o Mosca jura que não comia ninguém.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Recado aos Primeiroanistas

O início de um curso superior em uma universidade pública é sempre difícil. Na tentativa de auxiliar você, neófito, seguem algumas informações que serão necessárias durante o seu período de permanência nessa instituição.
Ser acadêmico significa aprender a falar. Por exemplo, no ensino médio, se você chutava, agora você passará a usar o método empírico-indutivo de validação científica. No ensino médio, se você colava, agora usa um conceito informal de pesquisa bibliográfica.
Você precisa aprender duas expressões fundamentais na sua formação acadêmica: “grosso modo” (assim mesmo, sem o “a” e grifado porque não é português, é latim), que se usa quando a gente não está com saco de pesquisar alguma coisa em detalhes e “em princípio” (também sem o “a”), quando não se tem a mínima idéia do que se está falando.
Você não passa o tempo todo jogando pebolim no Centro Acadêmico, mas passa a exercer atividades de extensão sócio-recreativas.
Não é correto falar que alguns professores matam aula, mas que ocorrem ausências docentes devido a “gaps” espaço-temporais na grade curricular.
Tampouco é correto dizer que os banheiros são fedidos, mas se trata de uma incompatibilidade de uso massivo das instalações sanitárias.
E nem adianta reclamar que a comida do Restaurante Universitário é uma droga. É alimento palatável de elevado teor nutritivo.
Não é verdade que precisou de um determinado setor e deu com a cara na porta porque eles abrem em umas horas malucas, mas ocorre uma adequação horária departamental.
Não pense também que se trata de uma “pocavergonha” o fato de, por um motivo ou outro, você acabar não tendo, “grosso modo” (viu?), 40% das aulas que deveria ter e, portanto, um curso de cinco anos poder ser reduzido a três num nítido desperdício de dinheiro público. O tempo livre é necessário e dedicado a atividades extracurriculares com vistas à integração social do corpo discente (no ensino médio se chamava “bater-papo”), complemento curricular nas áreas de pesquisa (jogo de truco), além, é claro, de atividades de extensão sócio-recreativas (sinuca e pebolim, lembra?).
A palavra “universidade” pressupõe uma cidade aberta a todas as novas idéias do universo, mas assim como os padres da Idade Média não podiam negar a existência de Deus ou a supremacia da Igreja, no meio acadêmico público brasileiro é pecado negar o poder do Estado e a própria validade do estatismo. Se você ousar esboçar um pensamento liberal e contestar o desperdício do dinheiro público, em última instância a discussão vai acabar em “e o que você está fazendo aqui, mamando?” (argumentos “ad hominem” são muito usados na universidade, se não aprendeu o que são, vai aprender logo). Contra esse argumento, poucos têm honestidade intelectual de olhar nos olhos, abrir um sorriso e responder: “Sim!”. Portanto, nas muitas vezes que escutar de como o nosso governo é bom e necessário, prossiga no procedimento “input-output” auricular (isto é, entrar num ouvido e sair pelo outro).
Pelo mesmo motivo, quando disserem que a universidade pública se destaca nos escores de avaliação do Ministério da Educação, não pense que é porque é gratuita, selecionando os alunos mais estudiosos e capazes da sociedade em vestibular concorridíssimo e que conservam essas qualidades durante a vida acadêmica, mas sim porque tem instalações adequadas à excelência de ensino e competentes mestres. Em outras palavras, isso se dá à potentosa capacidade estatal, e não a talentos individuais.
Em outras palavras ainda: chamaram você de burro, mas não repare porque aqui tem um fundo de razão. Quem não aprende essas verdades muito rapidamente, pacóvio é.