sexta-feira, 30 de março de 2007

Conto: O Vulcão

Poucos souberam o que realmente estava acontecendo logo antes da tragédia porque ninguém iria ligar um trabalho tão grandioso à cabeça minúscula de um diretor louco. O trabalho de dezenas de atores e técnicos foi jogado fora, pois ele era tão confiável e convincente que não havia roteiro, ele dizia estar tudo em sua cabeça.
Acontece que quem via aquela perfeita cidade cinematográfica pela primeira vez não enxergava a pessoa que organizou, financiou tudo e tornou possível a construção deste mundo, olhava apenas para as dezenas de profissionais envolvidos e para as formas arquitetônicas que o trabalho todo apresentava.
A Avenida da Independência (tudo lá tinha nome) era a mais central da cidade, curta e larga, começava no cinema Orfeu e ia até a o Morro da Catedral, onde ficavam a prefeitura e a câmara. Nos arredores estavam pontos importantes como o Hotel Paris e o famoso bar Oásis, com o seu terraço de vista para o mar, onde (dizia o diretor) comia-se as melhores empadas.
A geografia irregular tornava as ruas um verdadeiro trilho de montanha-russa onde os motoristas que dirigiam velozmente tomavam o papel de condutores de um parque de diversões.
Lindas eram as casas da parte velha. A Cidade de Baixo, com suas muitas casas coloniais, abrigava as repúblicas de estudantes, um pequeno comércio promissor, casas de médicos, advogados e diversos profissionais conhecidos por toda a população, casas de diversões e hotéis. Mais perto do canal era onde ficavam a zona da baixa prostituição, os bares noturnos, alguns becos escuros e sinuosos...
A parte alta era mais moderna, havia uma bela vista para o mar de papel celofane. Era onde compartilhavam mesmo espaço as mansões e as casas miseráveis, em cada morro ou elevação podia-se ver ora uma casa suntuosa aqui, ora uma vila pobre acolá, mas isso longe de ser uma forma de conflito, fazia parte do pitoresco, dos contrastes que davam colorido ao lugar.
Estava no roteiro que os primeiros tremores apareceriam de madrugada, quando todos estavam dormindo. Se tudo ocorresse em outro horário talvez as vítimas não seriam tão numerosas. Talvez ainda estariam salvas as falsas crianças sufocadas e as pseudo-mulheres grávidas calcinadas sob a orquestração de uivos de cães e gritos desesperados. Talvez tudo não teria ocorrido. Mas não. A noite camuflou a força titânica da natureza cinematográfica e quando os personagens deram-se por conta e perceberam o que estava acontecendo já era tarde, restava apenas correr em direção à morte certa e implacável.
O vulcão de maçaricos explodiu com toda a sua fúria. Insuspeito. Escondido sob o falso morro da catedral que foi a primeira a ser tragada para a cratera. Era um vulcão já extinto, erraram os geólogos do filme, mas voltou a sua forma e majestade de uma maneira insuspeita. Os tremores começaram derrubando as casas mais recentes, já que as mais antigas resistiram muito mais antes de também caírem. A nuvem de cinzas cobriu as últimas estrelas pintadas no teto que a cidade viu e num tempo extremamente curto o fogo e a lava de creme com corante jorraram das entranhas da terra devorando tudo que por ali havia.
Não olhem! Não olhem! Foi o que o diretor falou depois que tudo cessou. Quando os figurantes começaram a levantar-se e retirar suas maquilagens que os deformavam. Quando a cidade que deu tanto trabalho para construir estava arrasada é que todos ouviram os gritos desesperados daquele homem sensato que durante tantos meses coordenou os trabalhos. Ele dizia em um tom de pregação: "Quem olhar vai virar estátua de sal! Não olhem!" ou "Apenas quem for justo vai sobreviver a esta infâmia."
No início todos pensaram que era brincadeira, mas ele permaneceu nesse estado por tanto tempo que foi consenso entre os presentes de chamarem uma ambulância.
"Eu criei o mundo em sete dias e posso destruí-lo!", falava ele.
Quando ele foi levado, dezenas de justos se olharam, viraram as costas e foram embora.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Opinião: O Brasil Com Lentes Cor-de-Rosa 1


De quão profundamente o dinheiro eletrônico poderá mudar o país.


Ao contrário do que a esquerda estatizante tenta fazer com que os outros pensem, o fundamento do capitalismo é o da honestidade. Ser honesto faz com que contratos sejam honrados e os negócios sejam mais volumosos, proporcionando que todos ganhem: a tecnologia se desenvolva, os empregos floresçam e as nações se tornem mais prósperas.
Em um país que possui um histórico de corrupção que vem desde o Rei João Manoel de Portugal, passando pela carta de Pero Vaz de Caminha pedindo pistolão e chegando aos recentes escândalos amplamente divulgados pela mídia, pouco se pode esperar do governo e do povo para melhorar este quadro.
No entanto, a primeira luz no fim do túnel desde os primórdios da nação luso-brasileira estará chegando este ano ainda, da fonte mais inesperada possível, os bancos, tradicionais vilões da economia.
Com uma tecnologia já em uso no Japão, o Bradesco anuncia um sistema que permitirá abolir os cartões bancários, com a passagem da palma da mão sobre um sensor, ou seja, o cliente poderá acessar e movimentar a sua conta, dispensando qualquer meio físico. Isso quer dizer: você poderá ir à praia só de calção de banho e ainda comprar um refrigerante simplesmente mostrando a palma da sua mão.
A conseqüência lógica desta tecnologia é que ninguém vai usar mais dinheiro “cash”, afinal, para quê? E a identificação pessoal com a palma da mão será o próximo passo, como nos filmes de ficção científica. Será o fim de RG, CPF, CNH e outras siglas que nos infernizam a vida.
Da parte do governo, o bom senso nos diz que a casa da moeda nos próximos anos deverá anunciar o fim da nota de cem, depois da de cinqüenta, até o ponto de passar a ser uma instituição que só emite moedas comemorativas.
Com mais um pouco de futurologia, quando chegar a este ponto, como esconder o dinheiro em malas ou nas cuecas? Como sonegar impostos? Como subornar um guarda de trânsito, um juiz ou um deputado se todas as transações puderem ser rastreadas?
Talvez tenhamos alguma chance de sermos honestos e finalmente chegar ao capitalismo, esperemos e vejamos.

quarta-feira, 28 de março de 2007

A MULHER DE CÉSAR

Diz-se que da mulher de César não se esperava ela fosse apenas honesta, deveria, sobretudo, parecer honesta.
Se trouxermos esse pensamento para o Brasil de hoje, devemos nos perguntar, qual é o nível de confiança da população sobre instituições nacionais se, muito antes de entrarmos no mérito se elas são ou não são honestas, a maioria dos brasileiros fica com a impressão de que elas não lhe parecem honestas.
Ora, se vemos todo dia um poder executivo não sabe de nada, um quinto do legislativo está envolvido em escândalos, pode-se comprar sentenças do judiciário e ainda as grandes mídias noticiam a favor de quem lhes paga mais, em qual poder confiar? Qual é a instituição que nos parece honesta?
Quando os podres poderes perdem a confiabilidade, enfraquecem, e a história prova que o último dos moribundos é sempre o chefe de governo, o capitão tirânico que deixa o navio afundar para se salvar e flutuar acima dos naufragados no mar das incertezas do futuro. É ele que modifica a constituição, tiraniza a imprensa e fecha o congresso apenas para se manter no prazer do poder, na solidão do poder...no prazer solitário do poder.
Em priscas eras, quando um deputado pediu ao General Eurico Gaspar Dutra para aprovar um projeto, ele respondeu com um categórico “não posso, está no livrinho!”. Mais tarde, o tal deputado foi perguntar a um assessor que livrinho era esse o qual foi respondido com um sorriso: “É a constituição!”.
Será que o nosso chefe do executivo nos parece honesto? Será que, se pudesse ele não rasgaria o livrinho, mandaria surrar jornalistas, aposentaria compulsoriamente os deputados e colocaria juízes sob jugo?
Antes de ficarmos com questiúnculas, se ele sabia ou não sabia, se a turma dele é barra-pesada ou não, se entorna um copo ou não, devemos escolher nosso voto sempre lembrando da mulher de César: ele parece honesto?

terça-feira, 27 de março de 2007

Opinião: Volta, Voltaire!


Parece que a cada semana a imprensa brasileira se cala com mais uma arbitrariedade da justiça. E não falo dessas que deixam os criminosos nas ruas e os políticos rindo do povo, estou falando das que dizem respeito à liberdade da própria imprensa, valor que deveria ser inatacável e que se não for defendido compromete a democracia e dispara tiros no pé da imprensa em si.
Desta vez o Poder Judiciário atentou contra o blog Imprensa Marrom , decidindo em primeira instância que os comentários postados são de responsabilidade do blogueiro.
Baseados nessa mesma jurisprudência, devemos supor que se escreverem “Governo Ladrão” no muro da sua casa, você deve ser considerado um terrorista perigoso. Se alguém ofender outra pessoa em um chat, este deve ser fechado e se você repassar um e-mail ofensivo, você e todos seus amigos e amigos deles serão incriminados.
Quase que ao mesmo tempo no Amapá, a Justiça Eleitoral intimou outra blogueira, Alcinéa Cavalcanti a remover ofensas contra o senador José Sarney. Tudo bem, isso acontece, afinal, quem é que acredita que juízes e senadores precisem seguir o Artigo 5o, parágrafo IX de nossa constituição federal que diz textualmente “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”?
O filósofo francês Voltaire já falava “Não concordo com o que dizes,mas defenderei até a morte o teu direito de os dizeres”.
Tola afirmação para o Brasil.
Cada vez que se fala de coisas positivas de outros países nos acusam de xenomaníaco ou entreguista, mas vou correr o risco só para provar que estes não são fatos isolados ou do momento.
Por que nos Estados Unidos pode-se comprar a revista High Times que ensina a plantar maconha no armário da cozinha e por aqui a banda Planeta Hemp é presa por fazer apologia às drogas?
Por que já há 40 anos os hippies da Inglaterra podiam dizer que os policiais eram repressores e a rainha era uma vaca e ainda oferecerem flores para os zangados policiais “repressores” sem que nada fosse feito? Por que motivo não se pode mostrar um simples dedo para um policial brasileiro?
E falando ainda de há quase meio século, por que os jovens deste lado do Atlântico podiam queimar a bandeira americana em protesto contra a guerra do Vietnam, sem conseqüência alguma?
E por que os americanos podem fazer um filme em que Jesus desce da cruz para se casar e nós não podemos chutar uma santa católica na TV?
E por que eles podem organizar grupos neonazistas e aqui não se pode fazer comunidades de ódio racial?
Veja-se bem, não prego o ódio racial, uso de drogas ou o fanatismo religioso, pessoalmente, acho simples idiotices, mas o fato de não concordar, com o que os outros pensam, não quer dizer que eles não tenham o direito de falar o que bem entenderem, senão, como diria o Millôr Fernandes, aqui no Brasil o livre-pensar será para sempre apenas pensar.
E muito mais, a Constituição poderá ser usada como papel higiênico e a sociedade brasileira poderá voltar às trevas da barbárie sem o menor esforço.

domingo, 25 de março de 2007

Pequenos Momentos

De tudo que vivi na vida
Restaram lembranças vãs
Algumas fotos já meio sumidas
Algumas rugas e cãs.

Vivi grandeza amiúde
E alguns gloriosos momentos,
Mas no rol das verdadeiras virtudes
Sublinho só sentimentos.

Nenhum automóvel possante,
Mas uma caminhada ao luar,
Nenhuma tarde com a amante,
Mas pequenas nuanças de olhar,
Um sorvete me é o bastante
Nas lembranças de um lauto jantar.

Por isso é que a duras penas
Aprendi que a vida belisca
E faz das grandes coisas, pequenas
E faz de suas luzes, faíscas.

Pensava em uma vida brilhante
Como em um filme na tela,
Mas a vida me foi cintilante
E dessa maneira, mais bela.

Pompano Beach, 18/04/2002