Como Era
Muitas vezes as pessoas olham o passado com saudosismo, como se o mundo estivesse em franca decadência moral, visual e econômica.
“Hoje os filhinhos-de-papai ficam impunes ao agredir mulheres em pontos de ônibus e índios dormindo”, dizem alguns. Em Corinto, no século V a.C. já era assim. Para sair à rua à noite, era preciso sair protegido por um escravo e com tochas, pois gangues de adolescentes de pais abastados surravam os passantes. Essa impunidade não é nada nova.
Não é preciso ir tão longe no tempo e na geografia. Alguém se lembra de como era o Brasil?
Hoje, ao ir-se em qualquer lanchonete de uma grande cidade, as atendentes usam luvas e toucas para manusear os alimentos. Quando eu era criança, comer na rua era muito mais sujo. Lembro de comprar sorvete de casquinha e a vendedora me entregar o sorvete com a mesma mão com que pegava o dinheiro. Guardanapos de papel para apanhar a casquinha surgiram muito tempo depois, lá pelos anos 80.
Falam mal das nossas leis, mas lembro de ir comprar um jornal “O Pasquim”, em 1978 e sair com ele escondido dentro da jaqueta, pois a gente tinha medo que passasse um policial e levasse a gente (eu, com 14 anos) para a delegacia prestar esclarecimentos. Apesar dos pesares, tem um monte de coisas que a constituição de 88 melhorou no país, inclusive é muito mais difícil dar um golpe de estado por aqui.
Anúncios de cigarros na TV. Anúncios de moto-serras nas revistas. Automóveis sem cinto de segurança e que perdiam a estabilidade aos 80Km/h. Tudo isso havia.
Os brinquedos eram cheios de peças perigosas e tinham pinturas com chumbo. Aliás, havia soldadinhos feitos de chumbo que as crianças adoravam levar à boca. Foguetes que alcançavam 70 metros de altura, verdadeiros mísseis nas mãos dos meninos. Revólveres de espoleta que soltavam faíscas nos olhos. Barquinhos de latão movidos a álcool e fogo. Uma forma comum de se construir brinquedos era com latão estampado. Facílimo de se cortar nas pontas. Parquinhos de diversão eram construídos de madeira e pregos, volta e meia rasgávamos nossos fundilhos no escorregador.
Era comum encontrar pessoas com paralisia infantil. Todo mundo conhecia alguém deformado pela Talidomida, um medicamento que provocava a má formação do feto, na década de 60.
Andar de avião era uma atividade luxuosa, para poucos. As pessoas andavam penduradas para fora dos bondes, sem a mínima segurança. Passei a minha infância viajando de trem porque não haviam estradas asfaltadas. No Brasil inteiro não havia ônibus com ar condicionado.
A cultura era complicada. Para conseguir escutar alguém falando um idioma estrangeiro, era preciso comprar um disco de música ou ir ao cinema, não existia tecla SAP e nem Internet. Para descobrir qualquer informação sobre determinado assunto, só pesquisando em bibliotecas, que aliás aqui no Brasil sempre foram péssimas.
Para fazer um telefonema do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre, eu ia com o meu pai para a telefônica a uma da tarde e só saía de lá às cinco horas, ficávamos sentados no banquinho esperando a moça completar a ligação todo esse tempo. Quando a minha tia vinha do Rio de Janeiro para nos visitar, todos a cercavam para saber o final da novela, pois não existia rede nacional de TV e por lá os capítulos passavam antes.
Separar o lixo reciclável? Ora, há trinta anos as pessoas no nosso país sequer usavam lixeiras nas cidades, jogavam tudo no chão.
Abastecimento? Bacon se comprava em delicatessens, que em Porto Alegre só tinha o (saudoso) Armazém Rio Grandense. Fazer arroz com funghi e pinoli em casa, nem pensar, não existiam esses produtos para vender! Ninguém nem sequer sabia o que era sushi ou quibe. O primeiro hipermercado de Porto Alegre, o Dinosul seria um mercadinho para os padrões de hoje.
Produtos industrializados eram caríssimos. Lá em casa éramos sete pessoas para almoçar aos domingos. Classe média, meu pai era engenheiro agrônomo e tinha um bom cargo na Secretaria da Agricultura. Hoje em dia ganharia um bom salário, como o quê? Uns sete, oito mil por mês, no mínimo... Naquela época era apenas um emprego modesto. Para assistir TV, toda a vizinhança, também de classe média, ia para a casa do meu avô. E como era o nosso almoço? Um tijolo de 1Kg de sorvete para todos. Uma garrafa de um litro de Coca-cola para todos os 7. Mais do que isso, não dava prá comprar.
Em 1989, vim trabalhar em Curitiba e fui procurar casa para alugar no bairro do Bacacheri. Fora das ruas principais, quase todas as ruas eram de terra. Hoje em dia, nem vinte anos depois, é difícil encontrar uma rua sem asfalto em bairros importantes da cidade.
Em outras palavras, nós, brasileiros reclamamos da vida, mas esquecemos que por aqui já foi bem pior. Por incrível que pareça e por mais que tenhamos boas lembranças de um passado idílico, no longo prazo o Brasil está melhorando a olhos vistos.
“Hoje os filhinhos-de-papai ficam impunes ao agredir mulheres em pontos de ônibus e índios dormindo”, dizem alguns. Em Corinto, no século V a.C. já era assim. Para sair à rua à noite, era preciso sair protegido por um escravo e com tochas, pois gangues de adolescentes de pais abastados surravam os passantes. Essa impunidade não é nada nova.
Não é preciso ir tão longe no tempo e na geografia. Alguém se lembra de como era o Brasil?
Hoje, ao ir-se em qualquer lanchonete de uma grande cidade, as atendentes usam luvas e toucas para manusear os alimentos. Quando eu era criança, comer na rua era muito mais sujo. Lembro de comprar sorvete de casquinha e a vendedora me entregar o sorvete com a mesma mão com que pegava o dinheiro. Guardanapos de papel para apanhar a casquinha surgiram muito tempo depois, lá pelos anos 80.
Falam mal das nossas leis, mas lembro de ir comprar um jornal “O Pasquim”, em 1978 e sair com ele escondido dentro da jaqueta, pois a gente tinha medo que passasse um policial e levasse a gente (eu, com 14 anos) para a delegacia prestar esclarecimentos. Apesar dos pesares, tem um monte de coisas que a constituição de 88 melhorou no país, inclusive é muito mais difícil dar um golpe de estado por aqui.
Anúncios de cigarros na TV. Anúncios de moto-serras nas revistas. Automóveis sem cinto de segurança e que perdiam a estabilidade aos 80Km/h. Tudo isso havia.
Os brinquedos eram cheios de peças perigosas e tinham pinturas com chumbo. Aliás, havia soldadinhos feitos de chumbo que as crianças adoravam levar à boca. Foguetes que alcançavam 70 metros de altura, verdadeiros mísseis nas mãos dos meninos. Revólveres de espoleta que soltavam faíscas nos olhos. Barquinhos de latão movidos a álcool e fogo. Uma forma comum de se construir brinquedos era com latão estampado. Facílimo de se cortar nas pontas. Parquinhos de diversão eram construídos de madeira e pregos, volta e meia rasgávamos nossos fundilhos no escorregador.
Era comum encontrar pessoas com paralisia infantil. Todo mundo conhecia alguém deformado pela Talidomida, um medicamento que provocava a má formação do feto, na década de 60.
Andar de avião era uma atividade luxuosa, para poucos. As pessoas andavam penduradas para fora dos bondes, sem a mínima segurança. Passei a minha infância viajando de trem porque não haviam estradas asfaltadas. No Brasil inteiro não havia ônibus com ar condicionado.
A cultura era complicada. Para conseguir escutar alguém falando um idioma estrangeiro, era preciso comprar um disco de música ou ir ao cinema, não existia tecla SAP e nem Internet. Para descobrir qualquer informação sobre determinado assunto, só pesquisando em bibliotecas, que aliás aqui no Brasil sempre foram péssimas.
Para fazer um telefonema do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre, eu ia com o meu pai para a telefônica a uma da tarde e só saía de lá às cinco horas, ficávamos sentados no banquinho esperando a moça completar a ligação todo esse tempo. Quando a minha tia vinha do Rio de Janeiro para nos visitar, todos a cercavam para saber o final da novela, pois não existia rede nacional de TV e por lá os capítulos passavam antes.
Separar o lixo reciclável? Ora, há trinta anos as pessoas no nosso país sequer usavam lixeiras nas cidades, jogavam tudo no chão.
Abastecimento? Bacon se comprava em delicatessens, que em Porto Alegre só tinha o (saudoso) Armazém Rio Grandense. Fazer arroz com funghi e pinoli em casa, nem pensar, não existiam esses produtos para vender! Ninguém nem sequer sabia o que era sushi ou quibe. O primeiro hipermercado de Porto Alegre, o Dinosul seria um mercadinho para os padrões de hoje.
Produtos industrializados eram caríssimos. Lá em casa éramos sete pessoas para almoçar aos domingos. Classe média, meu pai era engenheiro agrônomo e tinha um bom cargo na Secretaria da Agricultura. Hoje em dia ganharia um bom salário, como o quê? Uns sete, oito mil por mês, no mínimo... Naquela época era apenas um emprego modesto. Para assistir TV, toda a vizinhança, também de classe média, ia para a casa do meu avô. E como era o nosso almoço? Um tijolo de 1Kg de sorvete para todos. Uma garrafa de um litro de Coca-cola para todos os 7. Mais do que isso, não dava prá comprar.
Em 1989, vim trabalhar em Curitiba e fui procurar casa para alugar no bairro do Bacacheri. Fora das ruas principais, quase todas as ruas eram de terra. Hoje em dia, nem vinte anos depois, é difícil encontrar uma rua sem asfalto em bairros importantes da cidade.
Em outras palavras, nós, brasileiros reclamamos da vida, mas esquecemos que por aqui já foi bem pior. Por incrível que pareça e por mais que tenhamos boas lembranças de um passado idílico, no longo prazo o Brasil está melhorando a olhos vistos.
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