sexta-feira, 28 de maio de 2010

Por uma anti-jurisprudência.

O conflito entre a liberdade de expressão e os demais direitos fundamentais é uma questão discutida mundialmente. São lugares-comuns casos jurídicos como o de Larry Flynt, editor americano de revistas pornográficas; a decisão de 1969 que permitia queimar a bandeira americana como forma de expressão e, mais recentemente, a questão das charges de Maomé, por um jornal dinamarquês.
No Brasil, também temos um grande número de decisões polêmicas sobre liberdade de expressão, muitas das quais foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, recordando:
- O caso Ellwanger (1996, 1ª Condenação) – Siegfried Ellwanger publicava metodicamente livros anti-semitas. No final, o STF votou pela condenação do réu;
- Chute na Santa (1995) – o pastor evangélico Sérgio Von Helder proferiu insultos e chutou uma santa católica na TV. Foi condenado pelo juiz da 12º Vara Criminal de São Paulo, Ruy Alberto Leme Cavalheiro, a dois anos e dois meses de prisão por crimes de discriminação religiosa e vilipêndio à imagem;
- O caso Planet Hemp (1997) – a banda carioca fazia músicas sobre a maconha. Seus componentes foram criminalizados por apologia às drogas;
- Condenação do Blog Imprensa Marrom (2004) – O blog foi retirado do ar por decisão judicial, causada por comentários impróprios dos seus usuários;
- Piloto Mostrou o Dedo (2004) – O piloto americano Dale Robbin fez um gesto obsceno para um policial brasileiro ao ser fotografado na alfândega. A companhia pagou multa de R$ 36.000,00 e o piloto foi liberado;
- Bibliografia não-autorizada de Roberto Carlos (2006) – o fã Paulo César de Araujo decidiu escrever uma bibliografia do Cantor Roberto Carlos, que ingressou judicialmente para bloquear sua publicação. A venda foi proibida e um acordo com a editora foi firmado;
- Caso Cicarelli (2006) – a modelo Daniella Cicarelli Lemos foi filmada em cena de sexo em uma praia da Espanha. A decisão foi no sentido da retirada do conteúdo do vídeo de sites da Internet, como YouTube e similares.
Qual é a diferença dos casos brasileiros em face aos estrangeiros? É que por aqui uma ação judicial que verse sobre liberdade de expressão será necessariamente derrotada nos tribunais, ou pela estrutura legal, de forma metódica, constante, em cem por cento dos casos, o que não acontece em outros países. Não seria insano afirmar que, para evitar decisões continuadas, gasto de tempo, dinheiro e esforço, o STF deveria publicar uma Súmula Vinculante com a redação “Em casos de conflitos de princípios que envolvam liberdade de expressão, este fundamento deve ser considerado em um nível hierárquico inferior a todos os demais.”
Acontece que os princípios constitucionais não possuem hierarquia. Portanto, no momento em que o nosso sistema legal coloca a liberdade de expressão como inferior, está indo contra a Lei Suprema do país. Deixa de ocorrer a equidade aristotélica, tão cara ao se fazer justiça no decorrer nos últimos dois milênios e meio.
Ora, os tribunais seguem a jurisprudência. No entanto, o que acontece quando, não uma decisão de um caso particular, mas todo o conjunto de pensamento das melhores mentes decisórias do país, ferem um fundamento?
A resposta é simples, é preciso criar uma anti-jurisprudência, pois nem a letra da constituição, e nem as decisões anteriores, nos servem mais.
As decisões judiciais servem para livrar o juiz do engessamento da lei, a anti-jurisprudência, deveria servir para livrar o juiz das decisões pouco equânimes dos demais.
O que tem acontecido é que, em outras palavras, como diria o humorista Millôr Fernandes, por aqui “Livre-pensar, é só pensar!”
De que trata a liberdade de expressão? Publicar fotos de paisagens e receitas de bolos ou se refere a temas mais contundentes? Será que remete ao nosso direito de falar ou ao nosso dever de escutar aquilo que discordamos? Sem defendermos a liberdade do outro, não poderemos defender a liberdade própria, essa é a questão.
Enquanto isso não ocorrer, no Brasil não poderemos acompanhar Voltaire que dizia “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de o dizeres”, pois liberdade de expressão não tem funcionado por aqui.
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PS. A decisão do STF em permitir que humoristas zombem dos políticos, editada logo após a publicação desta postagem, talvez nos aponte uma mudança de ventos na liberdade de expressão. Veremos o que vem por aí.

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