quinta-feira, 26 de junho de 2008

Telefonema

Ontem me telefonou o Ricardo, um amigo carioca que mora em Fort Myers, na Flórida.
Lembrei dos meus tempos de saudosista do Brasil. Eu sempre dizia por lá que na América é tudo “oroméric”: os carros são “automatic”, as portas são “automatic”, as pessoas são “autometic” (may I take your order?/ may I take your order?/ may I take your order?...)... A comida é meio artificial. Quando se dirige tem que parar em tudo que é sinal de “Pare”, o que é um saco (e na minha visão de brasuca, perfeitamente dispensável). Não tem atendimento gratuito em hospitais. As pessoas não se reúnem para almoço de domingo. A higiene por aqui é melhor. O americano médio é grosseiro e pouco instruído. Enfim, tem um monte de coisas que a gente sente falta do Brasil no dia-a-dia, apesar de que falando assim parecerem bobagens.
Daí comecei a indagar as queixas do meu amigo que um dia quer voltar prá nossa terrinha. “A gasolina por aqui está uma fortuna! US$4,40 o galão!” Calculei rapidamente – menos de R$1,60 o litro. E ninguém vai reeleger o presidente com preço tão absurdo. E o salário-mínimo por lá é mais de três vezes o nosso.
Então ele reclamou do preço dos imóveis que caíram, pois a crise tá braba por lá. Perguntei sobre o apartamento que ele havia comprado: ele já vendeu e, aproveitando o preço baixo, financiou uma casa de 160 mil dólares. Diga-se de passagem, não conheci o imóvel, mas uma casa americana normal tem garagem ampla, ar condicionado central, carteiro que traz – e leva também - correspondência na caixinha em frente ao gramado impecável, polícia que dispersa qualquer bagunça de adolescentes, carrocinha que recolhe cachorros vadios, ruas sem buracos, enfim, não é só a casa, mas toda a estrutura que o país oferece.
Amigo milionário na Flórida? Antes que o leitor interprete mal: ele é zelador de um campo de golfe e a esposa, enfermeira, aqui a renda familiar seria o quê? Uns R$1.500,00?
O que vai acontecer dentro de dez anos? A crise vai passar, os Estados Unidos continuarão sendo o maior mercado consumidor do mundo, a maior potência militar, o maior produtor de patentes e royalties. Tudo isso se baseando em idéias simples: respeito à livre iniciativa e interferência mínima do estado no cotidiano do cidadão, manutenção da lei e da ordem que são para todos e não para poucos, previsão de acontecimentos e provisão de infra-estrutura.
E dentro de dez anos, o que será do Brasil? A violência continuará crescendo. Os cachorros vadios continuarão pelas ruas. Adolescentes continuarão bebendo e atropelando pedestres nas calçadas e não respondendo por isso. Escândalos políticos ainda predominarão nos jornais. Os direitos básicos do indivíduo continuarão sendo desrespeitados de todas as maneiras.
E a economia, afinal, não entramos num ciclo virtuoso? Não creio, essa prosperidade alardeada na mídia é só vôo de galinha. O que é básico não está sendo resolvido. A carga tributária das empresas é cada vez maior. A infra-estrutura continua precária. A qualidade do ensino é muito baixa, sem entrarmos no mérito da educação como um todo. A desonestidade e o jeitinho brasileiro continuam predominando.
Assim, quando o Ricardo me perguntou o que eu achava de eles voltarem para o Brasil, o que eu poderia dizer, como amigo? Disse para ele ficar por lá, ora. Que ele e a esposa venham uma vez por ano matar a saudade de comer paçoca de amendoim e visitar os parentes, tudo bem, mas construir um futuro por aqui, podendo viver em um lugar melhor, pra quê?

Um comentário:

Emilio Pacheco disse...

O disco "Automatic for The People" do R.E.M. tem esse nome em homenagem a um restaurante de Athens, GA, cujo lema é esse. É que o proprietário do restaurante trabalhou num McDonald's da vida e foi instruído assim: "Quem quer ser bem atendido vai a um restaurante. Aqui você tem que ser automático para as pessoas." Ele achou curioso e acabou adotando como lema. Conheci o restaurante (simples, mas muito bom) em fevereiro de 2002. Virou atração entre os fãs do R.E.M.