quarta-feira, 13 de maio de 2009

Pedindo Esmolas com o Chapéu Alheio

Fazer maquetes é uma atividade complicada. É preciso conhecimento profissional, utilizar materiais caros e contratar empregados conhecedores da área de arquitetura para tal feito. Não é um hobby ou uma brincadeira diletante como algumas pessoas podem pensar. Um amigo meu trabalhava fazendo maquetes. Um belo dia chegou no seu atelier um pastor indagando sobre a de sua nova igreja. Depois de quase uma hora de perguntas, veio com essa: “será que não daria para fazer de graça?”
Um outro amigo cortava gramados nos Estados Unidos e resolveu montar uma empresa para fazer o mesmo por aqui. Na primeira cliente, já começaram os pedidos: dá prá cortar um galho da árvore? Dá para lavar o quintal? Dá para dar banho no cachorro?... Em pouco tempo, ele fechou a empresa e voltou para a América.
Podem parecer casos isolados, mas é uma regra presente na cultura nacional. O brasileiro médio adora pedir esmola com o chapéu alheio. As pessoas da Casa Grande se acham no direito de exigir que a Senzala trabalhe de graça.
O oposto não ocorre. Por exemplo, nós não temos um Museu Smithsonian, nascido de contribuição voluntária, por aqui. Simplesmente porque ninguém dá o que é seu. A confusão monetária só existe entre o dinheiro público e o desfrute privado, não entre o dinheiro privado e o desfrute público. Não há em Terras de Vera Cruz um Bill Gates da vida, que doe 90% da sua fortuna para uma boa causa. Ao contrário dos outros países do mundo, até as gorgetas do garçom precisam ser incorporadas na conta para que os clientes se cocem.
A exceção que confirma a regra acontece em casos de tragédias e comoção nacional, quando donativos são coletados, às vezes até excessivamente, o que nos remete à frase que Nélson Rodrigues colocou na boca de Otto Lara Resende: “Mineiro só é solidário no câncer.”.
Essa atitude pseudodadivosa do nosso povo se mostra em diversos aspectos. O mais absurdo deles é na forma de evergetismo.
Evergetismo era uma prática na Roma Antiga, quando ser administrador local era uma atitude honorífica que não era coberta por salário. Assim sendo, os nomeados roubavam tudo o que podiam na forma de impostos e, em troca, patrocinavam espetáculos e construíam prédios públicos. Qualquer vereador de interior sabe que isso ainda ocorre, dois milênios depois, por aqui. Muitas vezes, é preciso a um político ter vários automóveis para emprestar para os amigos, conseguir umas dentaduras, descolar umas cadeiras de rodas, alguns sacos de cimento e promover uns churrascos. Isso não é considerado por muitos como corrupção, mas faz parte das atribuições normais de um representante da sociedade.
No Brasil, os que têm mais devem distribuir com os que não têm, mas jamais de forma espontânea. Os flanelinhas se julgam com direito de extorquir dinheiro dos motoristas. Os sindicatos, daqueles que são forçosamente sindicalizados. Os assentados podem roubar gado dos fazendeiros vizinhos, e assim por diante.
Tem ainda uma outra faceta do mesmo poliedro que é o de quando se pensa que os nossos amigos são também amigos dos nossos amigos. Muito complicado? Explico. Isso ocorre, por exemplo, quando se dá carona para um colega e lá pelas tantas, passa-se na rua por alguém e ele exclama: “Para, que lá vai o Fulano, vamos dar uma carona prá ele também que eu quero te apresentar!” Ou quando a gente convida um amigo para a festa e ele traz um “encosto”, uma pessoa que você nunca viu na vida. Aliás, a palavra “amicus” em latim se referia a uma rede de apaniguados políticos, uma espécie de clã, mais ou menos o que os mafiosos chamam de “famiglia”, que não tem nada a ver com laços de sangue. A tentativa brasileira de formar “amicus” é, assim, uma outra forma de fazer caridade com o chapéu alheio.
O desperdício de tempo do outro, fato que já é uma instituição nacional, não passa de uma diversidade sutil do mesmo raciocínio. Quando marcamos um encontro e chegamos atrasados, ou simplesmente não comparecemos sem avisar, cultivamos a crença de que tempo não é dinheiro e que o próximo tem a obrigação de nos servir passivamente, gratuitamente e sem reclamar. O mesmo ocorre quando chegamos na casa do colega sem avisar e sem ser convidado, na crença que é justo “alugar” o próximo.
A caridade com recursos alheios se dá inclusive de modo institucionalizado. São muitos poucos aqueles que desembolsam algo para promover ações culturais e sociais, pois afinal temos a Lei Rouanet, a Lei do Incentivo ao Esporte, as diversas contribuições e os mais variados pagamentos e diversos ladrões de impostos (falo “ladrão” no sentido metafórico de um dreno de barragem, que eu não seja mal interpretado) que são formas retas e previstas no ordenamento jurídico para que ninguém precise tirar do próprio bolso nada além dos cinco dedos.
Acontece que não existe almoço de graça. Tudo tem um custo e se todos transferirem o valor que deveria ser pago para os outros desembolsarem, acabamos prejudicando à totalidade da sociedade. Tudo que é feito tem um preço, mais claramente falando, um valor econômico, grana. E essa grana precisa ser disponibilizada por aquele que a ela invoque, não se deve jogar a carga sobre a mula do vizinho. É uma atitude de autodeterminação que traz a prosperidade econômica e o desenvolvimento dos povos.
Assim sendo, caro leitor, se vires alguém o fazendo, ou ficares tentado a também pedir esmola com o chapéu alheio, pensa contigo mesmo: “que coisa feia, heim?”

Um comentário:

Emilio Pacheco disse...

Ha ha ha, sensacional!Eu já escrevi no meu blog uma vez sobre o fato de que o brasileiro desconhece o conceito de compromisso. Por exemplo, se alguém marca de ir na tua casa e na hora H não vai, mesmo que seja um profissional para fazer um serviço ou entrega com hora marcada, ele nem esquenta a cabeça com isso. Depois só diz que "não deu pra ir" e pronto, está mais do que justificado! E quanto ao exemplo da carona, tem coisa pior: alguém te pede carona e na hora H aparece com mais três porque já sabia que tu estavas sozinho no carro e "não ia se importar".