quarta-feira, 27 de junho de 2007

Desígnios e Saudade

Cada povo cria palavras de acordo com a sua percepção de mundo. Os esquimós possuem mais de cinqüenta palavras para conceitualizar neve porque as diferenças sutis no meio ambiente em que vivem são de suma importância para a vida cotidiana deles.
No sentido oposto dessa idéia, existe uma falha grave no idioma português.
Em muitas línguas o ato de desenhar e o ato de fazer um projeto são designados por palavras diferentes (to draw x to design, dibujo x diseño...). Infelizmente nós não temos a palavra “designar” no sentido de projetar, vislumbrar, criar e interferir no futuro como os franceses, os espanhóis e os ingleses têm.
É até mesmo difícil de explicar esse conceito em português. Na falta de uma expressão melhor, muitas vezes se usa “desenhar o futuro”, mas desenhar significa ilustrar a realidade percebida. Se desenharmos o futuro, teremos apenas uma cópia, uma perpetuação do presente.
Nós, lusófonos, não conseguimos criar “desígnios”, ou seja um projeto inovador de futuro, simplesmente porque não possuímos essa idéia nas nossas cabeças. A nossa percepção de mundo nos leva apenas a seguir momentos, a direção do vento. Não vemos o cosmos como um local em que possamos interferir na busca de um progresso constante.
É por isso que em cidades como Buenos Aires, Assuncion ou Montevidéu as ruas são retas, partindo de uma praça central, projetadas desde os tempos do descobrimento da América e nas cidades portuguesas, como Salvador ou Florianópolis, temos um urbanismo aleatório e confuso. Os engenheiros de obras no Brasil são mais importantes do que os de prancheta e as empresas são criadas sem um plano de negócios. Em nós não existe a idéia de planejar o porvir.
Por outro lado, os estrangeiros até conseguem compreender o conceito de nostalgia, a tristeza de nos afastarmos daquilo que nos é querido, mas jamais entendem o conceito de saudade que é o oposto, é quando aquilo que nos é querido se afasta de nós. Saudade é uma espécie de incompetência em termos nas mãos as rédeas do destino. Essa palavra, de que tanto nos vangloriamos por sermos os únicos a possuir, representa na verdade o nosso fracasso como povo, o nosso desejo em deixar tudo como sempre foi.
Em outras palavras, ficaremos para sempre na saudade até que aprendamos gerir os nossos desígnios.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre considerei esse "orgulho" tupiniquim da "exclusividade" da palavra "saudade" patético, como que agarrando-se a uma tábua de salvação (quando não abismo).