quarta-feira, 2 de maio de 2007

No País da Cocanha

Um dia vivi no País da Cocanha no qual Deus é conterrâneo e onde se plantando, tudo dá.
Ao viajar por esse país, eu tomava o desjejum de graça nos hotéis, pois por ali todos tinham a imensa fé de que o café da manhã era realmente de graça, assim como acreditavam que era de graça o trabalho que os frentistas do posto de gasolina executavam nos seus automóveis. Ninguém sequer cogitava que poderia pagar uma diária menor no hotel ou alguns centavos a menos pelo litro de gasolina e que esses centavos, quando acumulados a partir deste bem básico, sofreriam um efeito cascata e repercurtiriam em menores preços em toda a produção nacional, possibilitando um maior nível de consumo e muito mais empregos do que aqueles perdidos pelos frentistas. Mas como eu disse, era o País da Cocanha, onde tudo era abundante e ninguém preciasava mendigar por centavos.
Os salários só vinham uma vez por mês e as pessoas lutavam com unhas e dentes para que a legislação trabalhista permanecesse intocada. Ninguém de sã consciência iria dizer em alto e bom som que existiam outros países nos quais as pessoas ganhavam por hora e por isso, ao invés de ficarem esperando pela hora de ir embora, os gerentes é que tinham de expulsar os empregados do escritório e da fábrica, pois senão todos ficariam trabalhando muito mais do que oito horas. Ninguém nesse País da Cocanha dizia que se as pessoas pudessem ganhar na exata proporção do tempo trabalhado, as pessoas ganhariam mais, poderiam comprar mais bens, as indústrias seriam obrigadas a produzir mais e a contratar mais empregados, aumentando o valor dos salários, o que incentivaria as pessoas a trabalhar mais ainda num círculo virtuoso de fartura, prosperidade e progresso. E no País da Cocanha, os cidadãos criticavam os outros países no quais as pessoas não tinham outro objetivo na vida, senão trabalhar.
No País da Cocanha, os pais incentivavam os filhos a estudarem. E a estudarem. E depois de estudarem, estudarem um pouco mais. Ninguém de um mínimo nível social seria capaz de dizer ao filho que ele deveria ser garçon em um restaurante ou vender flores na loja da esquina, pois o trabalho braçal no País da Cocanha era algo humilhante por demais. Assim sendo, com tanto estudo, com tantos mestres, doutores e sábios, o País da Cocanha nunca se deu ao esforço de produzir um prêmio Nobel, pois com tanta fartura, o País da Cocanha poderia ter heróis mais alegres: pagodeiros e jogadores de futebol.
O País da Cocanha era o país da solidariedade no qual todos se ajudavam. No entanto, ao ver o sofrimento de outros povos pelo noticiário noturno, as pessoas ficavam comendo pipoca ao invés de se mobilizarem para que a situação pudesse ser um pouco menos dramática. Na última guerra em que participou, o fez porque um outro país lhes deu uma companhia siderúrgica e alguns aeroportos e os seus soldados saiam correndo ao primeiro tiro, pois afinal, o País da Cocanha é uma país pacifista e não adimite que isso seja apenas um eufemismo para covardia. Ajudas humanitárias? É o nosso povo que precisa de ajuda humanitária! Isso é coisa para os países ricos, todos por ali assim pensavam. No entanto, o País da Cocanha chegou a ser a oitava economia mundial, um país mais rico do que a Bélgica, do que a Suécia ou a Coréia do Sul. E ainda tinha a pretensão de pleitear uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU e de não entender porque não a ganhava...
No País da Cocanha se acreditava que o único problema do País da Cocanha eram os seus políticos.
No País da Cocanha os valores reais não eram apreciados. Se alguém ficasse rico era porque roubou, se alguém fosse mais instruído, bonito ou sagaz era metido e se alguém fosse bom e generoso era otário e não estava fazendo nada mais do que a sua obrigação. Mas se fosse esperto, daí sim: se gostasse de levar vantagem em tudo, certo? Esse sim era o tal.
No País da Cocanha as pessoas se acreditavam livres e iguais. No entanto, se uma menina por acidente ficasse grávida do namoradinho, ela simplesmente iria para Miami, abortar. Se não tivesse dinheiro para tanto, poderia escolher em arriscar a vida numa clínica clandestina ou esperar para que o seu filho se tornasse mais um menino vivendo nas ruas. Todos podiam falar sobre sexo, drogas, religião ou racismo, no entanto, se duas lésbicas se beijassem em um parque seriam apedrejadas, alguém que escrevesse sobre prazeres de algum alucinógeno, seria preso, ninguém poderia falar que não gostava de outra raça ou chutar a imagem de uma santa. Isso não quer dizer que no País da Cocanha não existisse racismo, drogas, homossexualismo ou intolerância religiosa, mas sim que as pessoas nunca tinham ouvido aquela frase de Voltaire "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defendo até a morte o direito de tu o dizeres." Ou, quem sabe, no País da Cocanha, tenha se lido Voltaire em excesso e tudo tenha se tornado excessivamente panglossiano.
Essa falta de liberdade de pensamento tinha uma conseqüência mais grave: ninguém poderia dizer para o outro coisas como "vamos enviar um homem à lua?" ou "vamos inventar uma rede mundial de computadores para que todos possam se comunicar livremente?", pois qualquer um que tivesse esse tipo de idéia alucinada seria imediatamente taxado de sonhador e desequilibrado. Um humorista daquele país dizia com muita pertinência que ali "Livre pensar, é só pensar."
Assim, no País da Cocanha, todos se fartavam da abundância dos sonhos e da cornucópia das ilusões e por isso era um país irreal e que só existia na mente daqueles que o imaginavam.

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