segunda-feira, 28 de maio de 2007

Ô, Zéfio!


Já fazia um bom tempo que o Zeca tava de olho na dona Nadir, ficava ligadão toda a vez que ela passava para fazer feira e sentia que ela também não deixava por menos, com um sorriso prá lá de safado.
Só que com a dona Nadir tinha que ir com muito jeito, afinal era uma mulher muito fina, com o marido, o Welynton gerente de banca de peixe no mercado. Até carro tinham. Além do mais era amigona da Teresinha, passavam o dia fazendo fofoca no muro e falando mal da vida dos outros, mas sempre que ele ia prá entrar na prosa, a patroa já ia se despedindo, dizia que tinha muita coisa prá fazer e já, já puxava o Zeca prá ajudar em alguma besteira que ela inventava. A Terê não queria saber de tocarem pedra no pombo dela.
Com a Teresinha não dava, afinal ela vivia jogando na cara que se esfalfava trabalhando na máquina de costura prá botar comida na mesa dos dois, e por isso não tirava o olho dele que até para ir conversar com os amigos no bar tinha que pedir permissão. Se pegasse ele numa boa, seria um Deus-o-livre.
Então a dona Nadir ficou bem numas de fruto proibido mesmo. Aquele mulherão! Altona, loirona, sobrancelhona bem preta, cabelão crespão, unhas pintadonas, cara redonda, jeito de menina sapeca. Sempre que olhava pro Zeca parecia que tava querendo. E mais ainda, usava sempre um vestido que deixava ela bem gostosa e um salto alto que era o maior tesão. Fazia de propósito, só para provocar. E rebolava bem prá burro. Toda vez que saía de casa dava um oi de me come e ia pela rua sacudindo aquele bundão. E a Teresinha só olhando...
Um dia fechou todas. A Nadir chamou a Terê no muro dos fundos e disse que o irmão dela tava ligando do interior. A Terê largou faca e cebola e saiu correndo prá atender o telefone. Voltou toda atazanada: que a mãe dela tinha levado um tombo, tava mal, tava até com febre. Cobriu a máquina de costura com o pano florido, botou umas roupas prá dentro da sacola, disse pro Zeca se virar com a comida que ela ia prá rodoviária tentar conseguir passagem.
Ele não teve dúvidas. Assim que a mulher virou a esquina, já tava batendo na casa da vizinha prá pedir almoço. O melhor de tudo é que o Welynton não almoçava em casa durante a semana. Não dava tempo daquela montanha de gente voltar lá do centro. Ainda bem, porque toda hora que ele tava em casa, o Zeca ouvia ele batendo na mulher, coitada, imagina só, uma mulher daquelas que devia ser tratada só com beijinho e nheco-nheco o tempo todo!
Dona Nadir abriu a porta e deu aquele sorriso maroto de sempre, convidou prá entrar, disse que tava muito sentida pela mãe da Teresinha e antes que ele pedisse, convidou prá almoçar. O Zeca já foi entrando prá cozinha junto dela e botando o saco de carne em baixo da torneira prá descongelar. Ela passou os limões para ele amassar no espremedor. Prá não ficar muito chato de ter chegado com as mãos vazias, voltou em casa, pegou as cebolas e as outras verduras, que a Terê estava cortando antes de sair, e trouxe tudo prá contribuir.
Conversa vai, conversa vem. Nadir no fogão, Zeca ali do lado, sabe cumé. Quando deu a chance ele já foi se chegando, alisando o cabelo da Nadir, passando a mão, falando que ela era tesuda. Aquelas coisas. E ela só se fazendo de gostosa, de nem-te-ligo, só olhava prá ele com aquele sorriso sacana e continuava mexendo o molho. E o Zeca dê-lhe de beijar no cangote e fazer mão-boba e ela que dê-lhe de se arrepiar, até que uma hora não agüentou mais, desligou o fogão, derrubou o Zeca no chão e já foi tirando a roupa dele. E ele só fissuradão na barriga da perna dela. Nem se apressou prá ver a vizinha peladona, só prá sofrer bastante.
Quando ele já estava nu em pêlo, pronto prá tirar a roupa dela, já exibindo os orgulhos, ouviram o Welynton escancarando a porta da frente e gritando:
"-Ô, Nadiquinha, tô cuma puta dor de cabeça, me dá o almoço que hoje não deu prá trabalhar!"
Broxada imediata.
A Nadir calçou o chinelo que era a única coisa que o Zeca tinha conseguido tirar e saiu correndo da cozinha em direção ao marido. O Zeca, coitado, também levantou de sopetão, apanhou as roupas no chão e tentou sair pela porta da cozinha prá pular o muro, mas quando botou a mão na maçaneta percebeu que ela estava trancada. O Welynton, antes que a Nadir pudesse fazer qualquer coisa, sentiu o cheiro de comida e foi caminhando até a cozinha.
O Zeca tava perdido, viu a morte de perto.
Só deu tempo de ele jogar as roupas na lata do lixo e sair gritando da cozinha: "-Ô, Zéfio! Ôôô, Zéééfio!"
O Welynton, assustado de ver o vizinho pelado, não teve tempo nem de desviar. O Zeca abraçou o outro dizendo: "-Uhhh, que o Peto Véio tá querendo umas cachaça, Zéfio. Vô pegá a alma do Zéfio até ele me trazê bibida."
Começou a alisar o Welynton que não conseguia escapar porque já tava de encontro à parede. O maridão olhou todo perdido para a mulher que fez sinal que não sabia de nada. O Zeca só continuava: "-Ôôô que o Pêto Véio tá picisando de reza, Zéfio, acende uma vela po Pêto Véio, Zéfio, ô, Zéfio."
O Welynton segurou o outro pelos ombros e falou com lógica: "-Pára com isso, Zecão, que tu não é preto e nem velho!", mas não adiantou, o outro continuava se sacudindo todo e berrando: "-Zéfio, Zéfio, mi ajuda Zéfio...", depois se atirou no chão e ainda se debatendo: "...ajuda o Peto Véio que o Peto Véio ajuda esse Zéfio que tem que tomá um chá de mulungu com uma pasta de cassaú prás lumbriga."
A partir daí foi diminuindo, diminuindo, até que adormeceu.
O Welynton perguntou para a Nadir o que é que significava aquilo e ela nem sabia: "-Ele pulou o muro e veio prá cá gritando desse jeito..."
O Zeca foi acordando atordoado sem saber o que estava acontecendo e foi logo perguntando: "-O que é que vocês tão fazendo aqui em casa?" Quando percebeu que não tava em casa e tava peladão, sentiu-se muito constrangido, tentou-se esconder atrás do Welynton que, já prevenido, saiu fora e jogou uma toalha prá ele.
Depois de tudo explicado ele foi até os fundos da casa e pulou o muro (o Welynton nem percebeu que a Nadiquinha tirou a chave da porta do bolso do avental). Mais tarde, ela jogou o lixo com as roupas no quintal do vizinho.
A partir daí, o Welynton começou a acender uma vela todas as noites, afinal de contas não é nada bom brincar com as coisas do além..

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