sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Romance Ferroviário

Subi no trem na estação Armênia e num lance de olhos percebi que havia um lugar vago no final do corredor, onde fica a cabine do maquinista. Não era uma hora de grande movimento no metrô e haviam outros lugares vagos, mas aquele em especial me atraiu por causa das companhias: charme em dose dupla, gatas a granel sentadas no banco perpendicular ao meu.
A porta fechou-se e o vagão entrou no seu túnel iluminado por lâmpadas de mercúrio. Olhei com o canto do olho e percebi que eu despertara um certo interesse, afinal naquela manhã eu havia ido visitar alguns clientes do escritório e colocara um dos meus melhores ternos, minha auto-imagem, poderia-se dizer, não era das piores.
A que estava sentada no corredor, olhei como quem não quer nada, era uma beldade de 'jeans' e jaqueta de couro, cabelos negros com um cacheado natural, lábios graúdos e olhos inquietos. Tinha apenas um defeito: não parecia perceber que eu existia. A outra, ao contrário, não era a oitava maravilha do mundo, mas também não era feia. Era loira e tinha o lábio inferior meio beiçudo e caído o que lhe dava uma expressão pateta, mas atraente. Vestia-se muito bem, devia ser uma executiva, uma médica ou qualquer coisa assim. E o melhor de tudo é que enquanto distraía-se olhando pela janela e para as pessoas, de vez em quando olhava para mim, dando uma paradinha que não deixava dúvidas sobre o interesse.
Enquanto o trem parava na estação São Bento, arrisquei um sorriso e ela imediatamente virou a cabeça para a janela aparentando indignação. Muito rápido, pensei, me achei um imbecil troglodita. Achei que tinha que ser mais sutil, mas não, era só um jogo da parte dela, uma performance teatral onde eu era o único espectador e ela a única artista. Voltou a olhar e, para a minha surpresa, retribuiu o sorriso. Soou um apito, as portas fecharam-se e penetramos novamente no túnel cintilante. Um outro trem que vinha no sentido oposto, passou por nós rapidamente e assim que o ruído parou, resolvi puxar conversa, mas fiquei paralisado de espanto.
Deixei de ser indiferente para a deusa morena ao lado, mas por um motivo muito especial. Flagrei-a acabando de retirar a carteira da bolsa da minha paquera e escondendo na sua jaqueta.
Eu juro que eu ia fazer alguma coisa, mesmo porque seria uma aproximação fácil denunciar um roubo, fazer um escândalo e depois consolar a vítima e etecetera, mas não sei porque eu não fiz. Acho que foi porque a bela agiu antes da fera aqui: deu uma piscada e meneou a cabeça, convidando para descer na próxima estação. Acabei por ficar brincando de pombo apaixonado com a vítima que depois prosseguiu viagem.
Pulamos na estação Vergueiro, o trem partiu e ela ficou muito agradecida. Depois tivemos um almoço e uma tarde maravilhosa juntos, mas eu, por via das dúvidas, sempre de olho na minha carteira.






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