quinta-feira, 12 de julho de 2007

O Que Presenciei nos Estados Unidos?


Passei um longo tempo no sul da Flórida e gostaria de compartilhar essa experiência de vida e apontar para detalhes que muitas vezes passam despercebidos ao turista.
As pessoas que viajam para lá ficam chocadas: primeiro mundo é isso!? ônibus não chegam no horário, pontos só têm um banquinho quando muito e, em locais onde não neva, não têm nem teto, atravessa-se fora do sinal, pisa-se na grama e se formam “carreirinhos” de tanta gente pisar que nem aqui, há muito mais fumantes, as pessoas são muito mais grosseiras e bregas, a gente vê muito mais desdentados, a higiene das lanchonetes é precária: luvas e máscaras? Nem pensar! Existem mendigos, pedintes, gente revirando latas de lixo, prostituição, racismo, crimes são cometidos, inclusive com balas perdidas (verdade que é meio raro, mas acontece), arrombamentos de residências, praias fechadas por coliformes fecais, educação deficiente, longas esperas em hospitais, enchentes urbanas com automóveis submersos, acidentes de trânsito terríveis, o atendimento por telefone é muito, mas muito, pior do que aqui, os telefones públicos comem a moeda e não chegaram nem na tecnologia do cartão, os caixas automáticos ainda têm aquelas telas verdes...
Lembro do dia em que cheguei, a minha amiga C., gaúcha que vive há mais de vinte anos por lá foi me mostrar as maravilhas da cidade de Fort Lauderdale: olha essa estrada! No Brasil tem. Olha essa livraria! No Brasil tem melhor. Olha esse shopping center! Chinelão, os do Brasil são muito melhores. Restaurante? No Brasil é muito melhor. Gente bonita? Por lá só tem jaburu! No início, por educação não falei para ela, mas nada me surpreendeu.
Portanto, demorei para entender por que lá é primeiro mundo se tem tanta coisa igual ou bem pior do que a nossa tão amada Pindorama. Explico.
Quando se deixa algumas horas o carro ao lado de um gramado, pode-se estar certo que ele vai ser pintado de branco, pois os irrigadores automáticos vão dar um banho nele. Por que pintado de branco? Por que é uma água não potável, de baixa qualidade. Surpresa: eles têm duas linhas d’água, uma potável e outra para irrigação e limpeza de calçadas, muito mais barata. Quando vai ter isso por aqui? Nunca.
Um amigo carioca, A., foi camioneiro. Quando chegava em um paradouro, bastava abrir a porta do caminhão e no chão havia saída para TV a cabo, telefone e Internet. Quando vai ter isso por aqui? Nunca.
Pelo Map Quest (ou Yahoo Maps) se imprime mapas e roteiros pelo computador. O interessante é que lá pelas tantas está escrito “obras na rua tal de 15 a 27 de julho”. O país é tão organizado que uma empresa privada de software pode saber em todo o país (e Canadá!) onde e quando vão existir buracos na pista. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
O passado influencia o presente. Se você sempre pagou as suas dívidas, por que não emprestar dinheiro? Por lá, você tem crédito se for honesto e deixa de ter se fizer sacanagem. Portanto, as pessoas honestas são mais ricas por lá, têm crédito. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Eu ia comprar um computador à crédito. Para checar se eu era eu mesmo, o vendedor mostrou-me a tela do computador e fez algumas perguntas: qual desses carros você tem? O meu carro era uma das quatro opções. Em qual dessas ruas você já morou? Uma rua que eu já havia morado era uma das quatro opções! Em resumo, eles sabem TUDO sobre o cidadão, se pisar na bola, você pode estar certo que vai se dar mal. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Presenciei: uma prostituta estava abordando os hóspedes de um hotel. O recepcionista chamou a polícia e o policial reuniu os dois. – Você não quer que ela apareça mais aqui no hotel? – Não, não quero, respondeu o recepcionista! – Então diga para ela na minha frente. (ele disse) – Muito bem, moça, respondeu o policial, a partir de agora se você pisar sequer no estacionamento, você será presa, entendido? Simples assim, sem ordem de juiz ou qualquer burocracia. Imaginemos quantos crimes isso evita! Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Tenho vários amigos que são corretores de imóveis e avaliadores por lá. Existe um programa que informa por quanto foi vendida cada casa de uma vizinhança. Essa rede de informações permite dizer o valor de uma casa de um milhão de dólares com um erro de um avaliador para outro de... 300 dólares! Erro de 0,03%, sabe-se praticamente o valor exato do investimento! Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Se você comprar um carro por lá e voltar cinco minutos depois para devolver, o vendedor terá que aceitar. Por quê? – Não gostei da cor... O.K., man, vou devolver o dinheiro, responderá o vendedor, obviamente com uma cara enfezada! Ninguém precisa ir ao PROCON de lá. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Não se usa subterfúgios para se falar de dinheiro: contribuinte é “pagador de impostos”, erário é “tesouro”, juros são “interesses”. As pessoas perguntam direto: quanto você ganha? Impostos não são embutidos no preço final do produto, paga-se à parte: se algo custar 10 dólares na etiqueta, você pagará no caixa US$10,60, 6% é para o governo. Dá para entender a sutileza? Roubar do erário é muito menos grave do que roubar do tesouro. Ser contribuinte é muito mais na maciota do que ser pagador de impostos. Altas taxas de juros ninguém sabe o que é, mas de interesses... Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
O correio é eficiente. Você precisa de uma peça para o carro. Entra na internet, procura (em um único site) todos os ferro-velhos do país e descobre o que precisa. No dia seguinte, a encomenda está chegando na sua porta. Isso vale para qualquer coisa. Já comprei até pneus pela Internet! Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Ruas são abertas apenas nos sentidos Norte, Sul, Leste e Oeste, o que evita cruzamentos diagonais, melhorando muito o tráfego. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Uma vez me perdi em Homestead, uma área rural bem ao sul de Miami. Dirigindo pelas estradas de terra daquele cafundó, uma planura, fui pensando comigo que parecia que estava na grande Porto Alegre, no interior de Viamão, e imaginando como iria me orientar. Só para dar uma idéia, cruzei com uns caras se divertindo com quadriciclos, parei o grupo para pedir informação e eles me responderam que também estavam perdidos! Lá pelas tantas, no meio do areial, no nada, encontro uma placa marcando o cruzamento das duas ruas. Não havia nem indício de civilização, tive que dirigir uns quinze minutos para encontrar uma casa, mas as ruas já estavam demarcadas E SINALIZADAS! Daí percebi que não estava em Viamão... Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Não existe contrato de trabalho. Trabalhou, pagou. Não pagou, não trabalha mais. Simples assim. Aliás, não existe nem justiça do trabalho, pois qualquer pessoa de um mínimo bom senso entende que justiça é uma só, não pode ser segmentada. Quando vai ter isso por aqui? Nunca!
Recebi uma moeda com data de 1942 ainda em circulação. Comentei com um amigo sobre a estabilidade da moeda e ele me disse que já havia recebido uma de 1886...
Veja-se bem, isso tudo se aplica a 300 milhões de habitantes, e em uma área pouco maior do que a do Brasil. Em cada centímetro do país existe a mesma infra-estrutura, não existem buracos negros e nem áreas com populações desassistidas. O mesmo brasão indicando o número das estradas usado na década de 30 se usa hoje, as mesmas caixas de correio, quando se lê “Lolita”, de Nabokov, ou “On The Road”, de Kerouac, clássicos escritos na década de 50, tem-se a impressão que é o mesmo país com carros antigos: por outro lado ao lermos autores bossa-nova por aqui, temos a impressão que tudo piorou muito, que a qualidade de vida era muito melhor antigamente..
E os nossos esquerdinhas ainda falam que os americanos têm tudo isso porque são ricos. Muito pelo contrário, os Estados Unidos são um país rico porque têm tudo isso, não confundamos causa com efeito.
Por todos esses motivos, não se pode avaliar os Estados Unidos apenas pela superfície, pois aquilo que interessa está enterrado, está nas entranhas, é estrutural. E quando vai ter isso por aqui? Nunca!

Nenhum comentário: