quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Histórias Bizarras 10 - Demônios

Se existe uma forma de inteligência superior criadora, por que não existiria uma força malévola?
Os povos pagãos admitiam a existência de duas “energias” distintas, uma forma “solar”, ou seja ligada à lógica, ao argumento e ao conhecimento em uma forma “lunar”, ligada às forças do inconsciente. O poder do inconsciente eles chamavam de “daimônico”, que é de onde saiu a expressão “demônio”.
Os católicos, para conseguirem se impor sobre o paganismo, passaram a censurar tudo aquilo que é daimônico, tendo inclusive representado o diabo com chifres e cascos de bode, que era como os gregos e romanos antigos representavam os faunos, que simbolizavam as força do inconsciente. Inferno para o paganismo era o local onde as sombras dos mortos perambulavam, não havia a noção de ser algo negativo que tomou posteriormente.
Dos pagãos, os católicos tomaram também a imagem de Deus, palavra que vem do latim e é corruptela do deus supremo da Grécia antiga, Zeus. Aliás, o deus católico é muitas vezes representado da mesma forma do que no paganismo: um senhor possante e caprichoso e que sempre aparece aos mortais disfarçado.
Originalmente, o daimonismo não tinha nada a ver com a idéia de mal, mas sim com um outro lado da personalidade humana: a sexualidade, os desejos, as carências, os medos, os prazeres, a embriaguez, enfim, tudo aquilo que não pode ser explicado ou racionalizado.

História da civilização posta à parte, devo contar a minha experiência com um demônio.
Eu estava meditando na sala do meu apartamento, quando morava em Florianópolis, sentado em uma posição de lótus. Era madrugada, quatro ou cinco da manhã. Em um determinado momento, comecei a sentir a presença de mais alguém na sala e esta sensação começou a crescer, até o ponto de se tornar absolutamente insuportável. Medo tomou conta de mim, o que fez com que eu parasse com a prática. Em outros dias, a mesma sensação se repetiu.
Interessante é que nos livros religiosos, sempre existe o conforto entre aquele que medita e o demônio. Jesus encontrou o demônio meditando no deserto e isso aconteceu com Buda, também. A parte mais difícil de toda a meditação é justamente enfrentar o demônio e isso, paradoxalmente, significa se convencer de que demônios não existem.
Essa é uma experiência bem estudada pelos neurologistas. O excitamento elétrico de determinada região do cérebro, faz com que o paciente desenvolva a sensação de que existe alguém a mais na sala. Os cientistas assim explicam as alucinações de pessoas que dizem terem sido abduzidas por extraterrestres, encontrado com demônios ou dominadas por espíritos íncubos. Faz tudo parte da nossa química cerebral.

Assim demônios não existem, o que de forma alguma exclui a energia daimônica.
Pela minha experiência pessoal, existe um estado mental especial que está fora do nosso estado normal, passivo e que se revela o tempo todo nas circunstâncias mais cotidianas.
Em uma explicação empírica, afirmo que existam duas atitudes mentais distintas oriundas da nossa evolução biológica. O ser humano é um animal que em tempos primitivos era ao mesmo tempo presa e predador, o que pode ser verificado no nosso gosto alimentar. Ao mesmo tempo, temos uma predileção para o sabor doce, o que denota que um dia fomos animais coletores de frutos, mas também temos atração pelo sabor salgado. Como na natureza a única forma de alimentos salgados são os animais, supõe-se que éramos também animais predadores. Isso pode ser confirmado pelos nossos dentes caninos e olhos na frente do rosto, características existentes apenas em animais predadores: animais que precisam fugir rapidamente têm olhos nas laterais para poder ver o atacante se aproximando.
Essas duas atitudes, a de presa e a de predador presentes em nosso psiquismo, deságua em duas formas mentais, a forma apolínea e a forma daimônica.
Apolo era o deus-sol na cultura grega e patrono do conhecimento e do raciocínio. As luzes da razão e da lógica são possíveis graças a esta nossa atitude mental. Essa é a atitude valorizada na nossa cultura porque gera riqueza, cultura, história, progresso e desenvolvimento. A sabedoria, a boa educação, o requinte são exemplos de uma atitude apolínea.
Por outro lado, existe todo uma parte do espírito humano voltado para o lado daimônico, o lado da sexualidade, da sobrevivência da espécie, da agressão, da loucura, da embriaguez, do domínio, da evolução, da intuição, do inconsciente.
Existe um livro maravilhoso de Camille Paglia, chamado de Personas Sexuais sobre o assunto. Esta pesquisadora norte-americana cita ali exemplos extremamente bem embasados de como o lado daimônico está presente em toda a grande arte ocidental, apesar de ser totalmente reprimido por nossa cultura.
O lado apolíneo é ligado à masculinidade, o lado daimônico, à feminilidade. O sol, palavra masculina em todas as línguas representa o homem e a lua, palavra sempre feminina, representa a mulher.
Veja-se bem, é totalmente errado pensar que o lado daimônico representa a mulher no sentido dado pela cultura cristã medieval, de passiva, donzela, mas sim estamos falando aqui de feminilidade incubo, predadora. O mito é o de Lilith, não de Virgem Maria.

Onde quero chegar é em uma idéia que vai conduzir ao próximo capítulo, sobre meditação, a de que existe uma atitude mental diferente daquela do cotidiano apolíneo e que é necessária para todo aquele que procura o mundo do sagrado.
Essa atitude pode ser reproduzida por um bom ator. Jack Nicholson, Johny Deep e Klaus Kinsky são exemplos de atores especialmente talentosos para representar personagens daimônicos. Uma imagem daimônica que pode ser dada como exemplo são aquelas máscaras de teatro balinesas com olhos arregalados e sorrisos sinistros.

Daimonismo é a mistura das sensações de felicidade, como poder e prazer. Não tem nada a ver com demônios ou negatividade.

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