O Novo Desfecho
Corria o último ato do último dia da temporada e a casa estava quase completa. Amigos e familiares de todo o elenco haviam comparecido para as despedidas. O cenário já estava desgastado pelo uso: aquela sala de estar que durante os ensaios tinha sido alvo de tantas brincadeiras, agora transmitia um tom triste porque lembrava-nos os bons momentos que passáramos juntos naquele período.
Eu era o vilão da peça e estava me sentindo particularmente vivo naquela noite. A atriz que fazia o papel da mocinha parecia nervosa, talvez devido à emoção de estar dizendo as suas falas pela última vez. O filho bastardo tropeçou no texto, como de costume, mas isso não comprometeu em nada o espetáculo porque a energia que corria sobre o palco e conseqüentemente dentro da platéia era tamanha que não permitia a ninguém perceber as pequenas falhas. Todo o elenco que não estava em cena foi para trás das pernas para apreciar o trabalho dos colegas, e eu concentrava-me para a minha entrada final na qual seria desmascarado e sofreria as conseqüências da vileza.
Veio a minha deixa.
No momento em que botei o pé no palco, os meus olhos tiveram um brilho diferente daquele que nos proporciona a vara de iluminação. Num relance olhei a cena e percebi que aquele seria o último momento em que o vilão estaria encarnado em mim, depois ele deixaria de existir para todo o sempre. Ali compreendi a minha situação. Como em toda a minha vida eu achara falso e piegas aquele final, revoltei-me ao compreender o quanto era injusta a minha derrota noite após noite e resolvi que daquela vez, a última vez, seria diferente. Com passos decididos percorri a boca de cena, como sempre sem tirar o chapéu e nem a capa de gabardine, e me sentei na poltrona da sala de estar, como antes tantas vezes eu havia feito. Conversei normalmente com a mocinha. Quando entrou aquele que iria revelar todas as minhas baixezas, eu não o deixei falar ou agir. Peguei-o pelo colarinho, cuspi no seu rosto e para a estupefação geral joguei-o para fora de cena. Mantive-me altivo no centro do palco e alguns instantes se passaram até que ele tomou coragem e ousou voltar para que eu lhe desse um soco que, creio, ter deslocado o seu maxilar, fazendo-o desistir dos seus propósitos. Depois enlacei a mocinha com os braços e beijei-a com todo o meu desejo.
Eu finalmente era um personagem completo.
Quando o ator que me criara finalmente percebeu o que estava acontecendo já era tarde demais, pois eu tinha o controle perfeito da situação e chegara ao ápice da minha vileza. Ele entrou em cena decidido a me aniquilar, mas falhou ao não perceber que não estávamos em igualdade de situação apesar de compartilharmos do mesmo corpo e usarmos os mesmos figurinos. Eu era forte e tinha ombros largos como todo o bom vilão, enquanto ele apenas usava ombreiras, sem falar no fato de que era míope. Além disso ele me criara com todos os requisitos necessários para a personificação da maldade. Tentou me bater, mas ele lutava como um colegial, enquanto que eu usava de todos os golpes baixos para o derrotar. Logo o deixei caído no palco, voltei-me para a mocinha e avancei com passos largos, decidido a tê-la para mim. Fui interrompido por um impacto nas costas. Virei-me e vi o meu criador com o seu punhal erguido no alto para um novo golpe. Fui mais rápido. Para a minha sorte o punhal que o ator usava era de mentirinha enquanto que o meu, de personagem, era, além de afiado, envenenado.
O sangue azul jorrou quando lhe enchi o coração.
Acabei ficando com a mocinha.
Naquela noite, o público aplaudiu em pé.
Eu era o vilão da peça e estava me sentindo particularmente vivo naquela noite. A atriz que fazia o papel da mocinha parecia nervosa, talvez devido à emoção de estar dizendo as suas falas pela última vez. O filho bastardo tropeçou no texto, como de costume, mas isso não comprometeu em nada o espetáculo porque a energia que corria sobre o palco e conseqüentemente dentro da platéia era tamanha que não permitia a ninguém perceber as pequenas falhas. Todo o elenco que não estava em cena foi para trás das pernas para apreciar o trabalho dos colegas, e eu concentrava-me para a minha entrada final na qual seria desmascarado e sofreria as conseqüências da vileza.
Veio a minha deixa.
No momento em que botei o pé no palco, os meus olhos tiveram um brilho diferente daquele que nos proporciona a vara de iluminação. Num relance olhei a cena e percebi que aquele seria o último momento em que o vilão estaria encarnado em mim, depois ele deixaria de existir para todo o sempre. Ali compreendi a minha situação. Como em toda a minha vida eu achara falso e piegas aquele final, revoltei-me ao compreender o quanto era injusta a minha derrota noite após noite e resolvi que daquela vez, a última vez, seria diferente. Com passos decididos percorri a boca de cena, como sempre sem tirar o chapéu e nem a capa de gabardine, e me sentei na poltrona da sala de estar, como antes tantas vezes eu havia feito. Conversei normalmente com a mocinha. Quando entrou aquele que iria revelar todas as minhas baixezas, eu não o deixei falar ou agir. Peguei-o pelo colarinho, cuspi no seu rosto e para a estupefação geral joguei-o para fora de cena. Mantive-me altivo no centro do palco e alguns instantes se passaram até que ele tomou coragem e ousou voltar para que eu lhe desse um soco que, creio, ter deslocado o seu maxilar, fazendo-o desistir dos seus propósitos. Depois enlacei a mocinha com os braços e beijei-a com todo o meu desejo.
Eu finalmente era um personagem completo.
Quando o ator que me criara finalmente percebeu o que estava acontecendo já era tarde demais, pois eu tinha o controle perfeito da situação e chegara ao ápice da minha vileza. Ele entrou em cena decidido a me aniquilar, mas falhou ao não perceber que não estávamos em igualdade de situação apesar de compartilharmos do mesmo corpo e usarmos os mesmos figurinos. Eu era forte e tinha ombros largos como todo o bom vilão, enquanto ele apenas usava ombreiras, sem falar no fato de que era míope. Além disso ele me criara com todos os requisitos necessários para a personificação da maldade. Tentou me bater, mas ele lutava como um colegial, enquanto que eu usava de todos os golpes baixos para o derrotar. Logo o deixei caído no palco, voltei-me para a mocinha e avancei com passos largos, decidido a tê-la para mim. Fui interrompido por um impacto nas costas. Virei-me e vi o meu criador com o seu punhal erguido no alto para um novo golpe. Fui mais rápido. Para a minha sorte o punhal que o ator usava era de mentirinha enquanto que o meu, de personagem, era, além de afiado, envenenado.
O sangue azul jorrou quando lhe enchi o coração.
Acabei ficando com a mocinha.
Naquela noite, o público aplaudiu em pé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário