quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Segurança Aérea

Nos tempos que transcorrem, muito se fala em segurança aérea e medo de voar, por isso preciso contar algumas poucas histórias, das muitas que vivi nos meus tempos de piloto.
Meu primeiro dia de instrutor em um aeroclube de interior do Rio Grande do Sul. Fui fazer um vôo com um outro piloto num avião de dois lugares e fuselagem de tela e resolvi fazer uma manobra de estol (perda de sustentação da asa e queda livre por uns duzentos metros...). Erguemos o nariz, o carburador secou e o motor parou. Pousamos em uma estrada, bem em frente a um posto de gasolina. Encheu de crianças em volta. Como a partida era dada manualmente, saí do avião, gritei “contato” para o outro piloto, girei a hélice, olhamos se não estavam vindo carros e decolamos dali mesmo. Chegando de volta no aeroclube, contamos o ocorrido para o mecânico e ele falou: “Deixa eu ver!” Subiu com outro piloto e quando estavam bem alto, ouvimos o motor apagar de novo... desceram de novo planando até a pista. Aliás, naquele aeroclube faziam até acrobacia com aviões de passeio e eles nunca quebraram!
Fui decolar em um avião de asa alta e falei para o mecânico consertar os amortecedores. Ele apanhou a asa e a baixou dois metros de altura até o chão, falando “É, está brabo mesmo!” Quando pousei, o amortecedor cedeu e quebrou a hélice contra o chão. Foi uma barulheira!
PT-19 é um avião de treinamento de antes da segunda guerra. Quando se vira de cabeça para baixo, o piloto fica pendurado só pelo cinto de segurança, pois não há cabine. Se ficar mais de 40 segundos no dorso, apaga o motor. Já fiquei de cabeça prá baixo a 2000 pés.
O planador é um avião que já decola em pane, pois não tem motor. Lá pelas tantas, puxa-se uma alavanca no painel e o avião que reboca é solto. A partir daí se ouve só o barulho do vento, das melhores sensações de voar que se pode ter. Recomendo.
Quanto mais se sobe em um avião sem pressurização, mais frio é. Eu estava solo, voando em rota no Rio Grande do Sul, com a bússola quebrada. Bem na minha frente surgiu uma nuvem enorme. Nuvens por todo o lado e eu não tinha instrumentos que me permitissem perder o contato com o solo. Não tinha combustível para voltar e achei que dava para pular a nuvem. Fui subindo, subindo... cheguei a mais de 11.000 pés, quase 4.000 metros, altura na qual a respiração começa a ficar ofegante. Pulei a nuvem, desci para uma altitude mais confortável, mas não encontrei mais os meus pontos de referência. Tive que procurar a Lagoa dos Patos e seguir a sua margem até chegar ao meu destino com mais de 40 minutos de atraso.
Já tive perda de rotação do motor em vôo. Já tive início de incêndio em uma decolagem.
Uma vez fui levar o treinador de um time de futebol para assinar uns contratos em várias cidades. Chegamos em Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai. Na hora de decolar, pedi para o guarda-campo para abastecer, e nada... não havia combustível por lá, só em uma pista de aviação agrícola ali perto. Muito bem. Decolamos, pousamos. Cadê o combustível? Só na safra. E não era época de safra! Próxima parada, Dom Pedrito. Nada de gasolina por lá tampouco, e o treinador com pressa. Fiz uns cálculos e achei que daria para ir até Bagé, a próxima escala. O combustível curto, avião e velocidade reduzida para poupar mais... nem no meu carro gosto de chegar tanto na reserva como eu cheguei daquela vez, já estava procurando um campinho sem vacas para pousar quando parasse o motor. Surgiu a cidade de Bagé no final da tarde e pousei no limite, acho que mais uns cinco, dez minutos teria parado o motor. Ufa.
Já vi e ouvi falar de tudo no meio aeronáutico. Pilotos que saíam para fazer treinamento, com um pouso intermediário para comprar cocaína. Piloto que fazia “tuneau” (uma manobra acrobática) com Boeing 727. Piloto que decolava sem travar o assento e este corria para trás na decolagem, não permitindo que ele alcançasse os comandos do avião. Piloto que, para decolar em pista curta, amarrava o avião a uma castanheira, dava todo o motor e quando a máquina começava a sair do chão, alguém atrás cortava a corda. Comandante de companhia sulamericana que embarca no vôo carregando um salame e grita injuriado para os passageiros: “Un dia esta mierda se cale!” Piloto que amarrava uma galinha viva num barbante e soltava pela janela da cabine até que os passageiros olhassem para o lado e vissem passar uma galinha voando... Já vi até cachorro amarrado ao cinto, voando de passageiro de ultra-leve!
Agora pergunto, caro leitor: você ainda tem medo de avião? Acha perigoso tomar um Boeing até Guarulhos? Eu que o diga: relaxe e goze!

2 comentários:

Emilio Pacheco disse...

Sabia que tu tinhas pilotado, mas não sabia que tinha sido tanto assim. Um dia vou querer ouvir com mais detalhes essa fase da tua vida. Quanto ao "tuneau" com um Boeing, isso foi feito por aquele piloto no avião que foi seqüestrado e o co-piloto assassinato por um seqüestrador que queria jogar o avião em cima do Senado em Brasília, antecipando o 11 de setembro. O objetivo dele era desarmar o seqüestrador.

Luiz Bonow disse...

Na verdade, era um piloto da ... bem, uma empresa. Ele decolava do Salgado Filho para testar os aviões à noite, que saíam da manutenção, e avisava aos mecânicos para observar que as luzinhas iriam trocar de lugar. Na asa esquerda há uma luz vermelha, verde na direita. Lá pelas tantas, viravam de lado....